quinta-feira, 9 de maio de 2013

Lendo Gabeira, por José Aníbal



Acabo de ler "Onde está tudo aquilo agora?", as memórias políticas do jornalista Fernando Gabeira, com quem convivi na época da revista Conjuntura Brasileira, editada no exílio, e mais tarde no Congresso Nacional. Embora pessoais e intransferíveis, as percepções de Gabeira têm um lastro histórico importante.
Entre outras qualidades, ao menos na minha visão de ex-clandestino e também exilado, o livro consegue trazer de volta certa angústia daqueles dias longe do Brasil, principalmente o conflito privado entre as convicções do indivíduo e a inevitável revisão das expectativas políticas com o passar do tempo.
Assim como ele, despertei para a política na Belo Horizonte dos anos 60, entre leituras de Sartre, Huberman e Caio Padro Jr (mais tarde Régis Debray) com os amigos Guido Rocha, Apolo Heringer, Dilma Rousseff, Beto Soares de Freitas, Inês Etiene Romeu e muitos outros. Tempo das discussões intermináveis nos bares do edifício Maleta.
Com a perseguição, a clandestinidade e o exílio, tudo foi dispersado. Fernando Gabeira descreve com acuidade as transformações e inquietações no imaginário político de muitos dos exilados daquela geração.
A dúvida quanto a validade prática dos dogmas revolucionários, a substituição gradual do sonho socialista pelo retorno à democracia, além do convívio com complexidades próprias das sociedades democráticas, foram questões comuns a boa parte dos que tiveram de partir.


Segundo o autor, temas como o meio ambiente, os direitos humanos e o papel da mulher na sociedade o libertavam da expectativa cada vez mais modesta de uma revolução. "Chegava a hora de abandonar uma visão do passado, uma análise do presente e uma expectativa de futuro rigorosamente programadas", diz. O único caminho era a democracia.
De lá para cá, essa construção coletiva e permanente tem se mostrado mais complicada do que imaginávamos, mas ainda assim com mais acertos do que erros. O que preocupa o autor hoje (e certamente a muitos de nós todos) é certo cinismo institucionalizado e o descolamento entre vida política e opinião pública.
Sob a ótica daquela geração, creio que a reflexão de Gabeira sobre o itinerário percorrido é das mais precisas. Os ajustes na democracia são movimentos que os marqueteiros não antecipam e nem resolvem. O anseio deve encontrar a própria voz e então competir no grande mercado de ideias, valores e caminhos. Por isso a democracia é tão complicada. E, ao mesmo tempo, tão valiosa.

José Aníbal é economista, deputado federal licenciado (PSDB-SP) e secretário de Energia de São Paulo.

Um comentário:

carlos eduardo alves de souza disse...

José Anibal é muito bom.Gabeira também e sua voz deveria fazer-se mais ouvida. É compreensível que gente como eles, talvez pela formação intelectual mais que tudo, tenham tido a capacidade de aceitar uma correção de rumo.Muitos outros fizeram o mesmo e dentre eles vêm-me a memória o nome de Arnaldo Jabor. Agora, seria muito importante que eles se unissem para que compensem um pouco da rígida disciplina que impera entre os apaixonados do PT e dos que os apóiam. De outro modo, o aparelhamento petista triunfará em toda linha.