sexta-feira, 24 de maio de 2013

A política, segundo Afif, por Demétrio Magnoli


|   Brasília, 23 de maio de 2013

“Ela não criou esse ministério para o PSD. O convite aconteceu e foi aceito por afinidade temática. Esse tema é a minha vida e é prioridade do governo.” Guilherme Afif Domingos é um brincalhão, mas tenho a leve impressão de que, enquanto ele goza da cara dos eleitores, a presidente e o presidente emérito gozam da cara dele.

No dia em que o ministro número 39 oferecia essa cândida explicação, o ministro número um, Gilberto Carvalho, imagem holográfica de Lula da Silva, preferia falar a verdade — ou, ao menos, parte dela: “O partido que ele representa, vindo apoiar nosso governo, ampliando nossa base, é importante”.
Todos sabem que a “causa da microempresa” é só um pretexto para a transação que conduziu Afif à Esplanada dos Ministérios. Contudo, nem mesmo o sincero Carvalho disse que a motivação principal do convite não se encontra nos minutos de televisão do “partido que ele representa”. Afif está lá, antes de tudo, para provar uma tese sobre a política e a representação.

Afif Domingos

“O senhor já fez muitas críticas ao PT. Chegou a dizer que Dilma não tinha biografia para o cargo...” Um conceito de política emergiu na resposta do novo ministro: “As críticas foram feitas na conjuntura de campanha política. Não teve nada de crítica pessoal, foi tudo na retórica de campanha”.
Desde o século XVI, os governantes europeus aprenderam que, em nome de seus interesses vitais, a direção das esferas das finanças, do direito e da guerra deve ser entregue a servidores especializados. O 39º ministério de Dilma, que não se inscreve em nenhuma dessas três esferas estratégicas, é uma ferramenta a serviço de interesses menores.
A missão de Afif, concluída antes de seu primeiro dia no gabinete, era produzir uma definição de política. Política, segundo Afif, é a arte de iludir os eleitores. O governo de Dilma queria dizer isso, mas por uma voz terceirizada.
À primeira vista, Afif não inova quando declara que, na “política”, as palavras carecem de sentido. Afinal, Lula da Silva, seu mestre adventício, não qualificou como “bravatas de oposição” o discurso petista anterior à Carta aos Brasileiros? O paralelo, embora sedutor, não é pertinente.
Max Weber esclareceu a distinção entre a “ética da convicção” e a “ética da responsabilidade”. A primeira se subordina ao imperativo categórico da lei moral e regula-se por valores que o político almeja colocar em prática.
A segunda parte de uma análise sobre o bem comum e regula-se pelo cálculo realista sobre as consequências comparativas de diversas alternativas de ação.
Os petistas têm o direito de justificar a Carta aos Brasileiros à luz da “ética da responsabilidade”, mas é impossível associar a aventura ministerial afifiana a qualquer tipo de ética.
Sua “responsabilidade” não tem por referência os interesses públicos, mas as conveniências partidárias, e sua única “convicção” é que convicções políticas não passam de estorvos descartáveis.
Afif não é, nem de longe, um pioneiro do adesismo ou da abjuração. Roberto Mangabeira Unger, um predecessor recente, classificou o governo Lula como “o mais corrupto” da história do Brasil menos de dois anos antes de aceitar o convite do presidente para ocupar uma cadeira ministerial também inventada “por afinidade temática”.
Unger beijou a mão de Lula da Silva num sentido figurado; Afif beijou, literalmente, a mão de Dilma. A diferença, porém, está no lugar ocupado por cada um deles no palco da democracia representativa.

Um comentário:

Alberto disse...

Mesmo o mais perspicaz analista da conjuntura política comete deslizes ocasionais ao defender pontos de vista fundamentados em coloração política ao invés de fatos e argumentos lógicos.
A indicação do Afif é um costume político normal aplicado em governos de coalizão.
Importante é a observação de que certos setores necessitam da gestão de técnicos para que a máquina governamental não fique paralizada.