domingo, 26 de maio de 2013

Cartas de Buenos Aires: O argentino por ele mesmo


GERAL


Gabriela Antunes
“Como um argentino se suicida? Ele pula de seu ego”, é dito na velha piada.
O brasileiro adora achincalhar o argentino, mas se surpreenderia de saber que o “hermano”, com fama de soberbo, é, na verdade, bastante crítico consigo mesmo.
Orgulhoso no exterior, cidadão indignado no âmbito doméstico, o argentino não é nada o ser unidimensional e nem o egocêntrico no qual fez a fama e deitou na cama. “Na América Latina, e lá fora, o estereótipo do argentino se associa a soberba e pedantismo”, explica o doutor em antropologia pela Universidade de Brasília, Alejandro Grimson, autor do livro Mitomanias Argentinas.
Considerada por muitos “a mais europeia das nações latinas”, a fértil imaginação argentina, como aponta Grimson, vê suas nações vizinhas como um território tropicalista onírico, cheio dos índios que “supostamente” não estão na Argentina.
Mas, antes de nutrir antipatia pelos “hermanos”, vamos examiná-los mais de perto com a benevolência que se oferece aos que já são, por si só, auto exigentes. Por detrás da aparente bravata, está um ser habitado por mitos e frustrações patrióticas.
Com profundos sentimentos de amputação territorial, o argentino é, também, decadentista, chora uma Argentina que estaria predestina à grandeza, sem nunca ter alcançado seu destino final. Crê, além disso, carecer de políticas de Estado e, como nós, sente-se permanentemente lesado pelo Governo e impostos.


“A Argentina foi um país fantástico, mas ingressou numa decadência irremediável (...). Fizemos tudo mal feito. Na verdade, a primeira pessoa do plural é muito generosa. Um pequeno grupo de militares e corporações destruiu o país...”, resume Grimson como opera o mito do “futuro que nunca chegou”. É aí, segundo o autor, que está a grande contradição. Desse complexo de inferioridade gerado do que “deveria ter sido e não foi” vem a aparente soberba argentina.
Com relação à velha rixa Brasil-Argentina, ele aponta outra complexidade de caráter: parte dos argentinos vê o Brasil como faixa de terra entre duas palmeiras, habitado por caipirinhas e mulatas semidesnudas.
Outra parcela enxerga o Brasil como um Estado com continuidade econômica, política e institucional. Enquanto isso, na Argentina, as transformações políticas são regidas pelo deus do trovão, feitas na marra e sem meio termo. “!Un desastre!”, diria um portenho.
A Argentina vem se transformando, assim como sua gente. A América Latina também, integrando-se e reconhecendo-se. Talvez seja hora de propor uma pequena trégua e desarmar-se um pouco dos mitos construídos, pelo menos até a Copa. Aí, argentino é argentino e todos nós brasileiros.

Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires. Escreve aqui todos os sábados.

Um comentário:

Alberto disse...

A melhor definição para os problemas dos Argentinos é a impossibilidade de italianos, falando espanhol pretenderem ser ingleses. No dia que descobrirem que são apenas Argentinos seus problemas estarão resolvidos.