Acabo de ler "Onde está tudo aquilo agora?", as memórias políticas do jornalista Fernando Gabeira, com quem convivi na época da revista Conjuntura Brasileira, editada no exílio, e mais tarde no Congresso Nacional. Embora pessoais e intransferíveis, as percepções de Gabeira têm um lastro histórico importante.
Entre outras qualidades, ao menos na minha visão de ex-clandestino e também exilado, o livro consegue trazer de volta certa angústia daqueles dias longe do Brasil, principalmente o conflito privado entre as convicções do indivíduo e a inevitável revisão das expectativas políticas com o passar do tempo.
Assim como ele, despertei para a política na Belo Horizonte dos anos 60, entre leituras de Sartre, Huberman e Caio Padro Jr (mais tarde Régis Debray) com os amigos Guido Rocha, Apolo Heringer, Dilma Rousseff, Beto Soares de Freitas, Inês Etiene Romeu e muitos outros. Tempo das discussões intermináveis nos bares do edifício Maleta.
Com a perseguição, a clandestinidade e o exílio, tudo foi dispersado. Fernando Gabeira descreve com acuidade as transformações e inquietações no imaginário político de muitos dos exilados daquela geração.
A dúvida quanto a validade prática dos dogmas revolucionários, a substituição gradual do sonho socialista pelo retorno à democracia, além do convívio com complexidades próprias das sociedades democráticas, foram questões comuns a boa parte dos que tiveram de partir.
Segundo o autor, temas como o meio ambiente, os direitos humanos e o papel da mulher na sociedade o libertavam da expectativa cada vez mais modesta de uma revolução. "Chegava a hora de abandonar uma visão do passado, uma análise do presente e uma expectativa de futuro rigorosamente programadas", diz. O único caminho era a democracia.
De lá para cá, essa construção coletiva e permanente tem se mostrado mais complicada do que imaginávamos, mas ainda assim com mais acertos do que erros. O que preocupa o autor hoje (e certamente a muitos de nós todos) é certo cinismo institucionalizado e o descolamento entre vida política e opinião pública.
Sob a ótica daquela geração, creio que a reflexão de Gabeira sobre o itinerário percorrido é das mais precisas. Os ajustes na democracia são movimentos que os marqueteiros não antecipam e nem resolvem. O anseio deve encontrar a própria voz e então competir no grande mercado de ideias, valores e caminhos. Por isso a democracia é tão complicada. E, ao mesmo tempo, tão valiosa.
José Aníbal é economista, deputado federal licenciado (PSDB-SP) e secretário de Energia de São Paulo.
Um comentário:
José Anibal é muito bom.Gabeira também e sua voz deveria fazer-se mais ouvida. É compreensível que gente como eles, talvez pela formação intelectual mais que tudo, tenham tido a capacidade de aceitar uma correção de rumo.Muitos outros fizeram o mesmo e dentre eles vêm-me a memória o nome de Arnaldo Jabor. Agora, seria muito importante que eles se unissem para que compensem um pouco da rígida disciplina que impera entre os apaixonados do PT e dos que os apóiam. De outro modo, o aparelhamento petista triunfará em toda linha.
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