Cinco eleições nos últimos dias mostram crítica a políticas ancoradas na austeridade
O status quo começa a ser seriamente questionado na Europa. Cinco eleições nos últimos dias — que vão desde as disputas municipais na Itália e no Reino Unido, passando por uma regional na Alemanha até a mudança na Presidência da França e no Parlamento da Grécia — apontam para uma rejeição pública cada vez maior aos dirigentes e partidos que apoiam políticas econômicas de acordo com o receituário alemão de austeridade no continente em crise.
O maior exemplo desta tendência foi a volta triunfal neste fim de semana dos socialistas na França, 30 anos depois que François Mitterrand conquistou o poder numa eleição histórica, em 1981. O novo presidente, François Hollande, promete lutar contra a política de austeridade generalizada no continente. Ele quer rediscutir o pacto de estabilidade que 25 dos 27 países-membros da União Europeia (UE) assinaram em fevereiro, alegando que é preciso dar mais ênfase ao crescimento econômico. Uma proposta que a chanceler federal alemã, Angela Merkel, já rejeitou ontem mesmo depois de anunciar que receberia Hollande na Alemanha “de braços abertos”:— Sentimos que um bloco começa a se constituir em oposição à Alemanha. Até quando a Alemanha vai poder resistir sozinha? Será que vai conservar sua liderança? Ela está cada vez mais isolada — constata Vivien Pertusot, que dirige, em Bruxelas, o Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri).
— Nós, na Alemanha, e eu, pessoalmente, somos da opinião de que o pacto fiscal não é negociável. Já foi negociado e assinado por 25 países — disse.
O pacto foi costurado por Merkel com Nicolas Sarkozy, antecessor de Hollande. A dupla defensora da austeridade trabalhou tão junta que ganhou o apelido de “Merkozy”. Na madrugada de segunda-feira em Paris, diante de uma multidão na Praça da Bastilha, o novo presidente lançou uma frase que resume a virada no humor dos franceses:
— Austeridade não precisar ser uma fatalidade na Europa — disse.
Hollande como catalisador
O movimento de rejeição não ocorreu apenas da França. No domingo, os dois principais partidos políticos encarregados de tirar a Grécia do buraco — o conservador Nova Democracia e os socialistas do Pasok — não conseguiram maioria nas eleições parlamentares. O que se viu foi a ascensão impressionante de extremistas de esquerda e de direita. A Grécia terá, pela primeira vez no Parlamento, deputados de um partido que defende ideologia neonazista, o Aurora Dourada, que carrega um símbolo muito próximo de uma suástica.
Na Grã-Bretanha, a coalizão conservadora liderada por David Cameron — um defensor da política de austeridade — perdeu as eleições locais para o Partido dos Trabalhistas, que, assim como Hollande, coloca o crescimento econômico como prioridade. As eleições municipais na Itália também deram provas da resistência do eleitorado às duras medidas de alta de impostos e cortes de pensões implementadas pelo premier Mario Monti, com o desempenho favorável de legendas de centro-esquerda nas urnas. Na própria Alemanha, o partido de Merkel perdeu o governo do estado de Schleswig-Holstein, que deverá passar a uma coalizão dos social-democratas com os verdes e a minoria dinamarquesa.
Para Vivien Pertusot, do Ifri em Bruxelas, a retórica dos franceses desafia os alemães. Mas na prática, não há interesse de Hollande e nem de Merkel em colidir.
— Nunca assistimos a uma queda de braço entre Alemanha e França desde 1963. O casal franco-alemão sempre tenta funcionar. Mesmo que haja hoje uma oposição sobre o pacto fiscal, claramente, não haverá ruptura neste casal.
Outra razão, segundo ele: François Hollande sabe que não pode isolar Angela Merkel, e vice-versa.
— Ele precisa ter uma relação sã com a Alemanha para poder conseguir passar outras iniciativas (de interesse da França) no nível europeu. Ele sabe que não vai conseguir mudar — explica, dizendo que possivelmente ocorrerão pequenas mudanças “cosméticas” no pacto, para que Hollande não saia perdendo.
Mas Hollande pode se tornar o catalisador de uma aliança entre países que se opõem à austeridade a qualquer preço, prevê Pertusot: os governos de Bélgica, Polônia e Espanha já declararam apoio a esta linha favorável ao crescimento.
O economista Francesco Saraceno, do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas, acha que Hollande tem uma chance real de influenciar a mudança de direção da Europa. E uma das razões é que, agora, não se trata mais de queixas de pequenas economias, mas de grandes:
— Não se via a Grécia indo para Bruxelas e dizendo: olha, isso não está funcionando. Agora é um grande país que chega e diz: espera aí, isso não está funcionando. A França, sozinha, é pequena para mudar as coisas. Mas a França pode agir como uma força catalisadora organizando uma coalização de países com problemas (com a austeridade).
Mas ainda não há consenso sobre a eventual mudança de rumo no continente. Charles Grant, diretor do Centre for European Reform, em Londres, lembra que os franceses não estão de fato implementando um programa de austeridade. E relativiza a derrota dos conservadores no Reino Unido, dizendo que foi mais um voto contra os erros sucessivos de David Cameron do que contra a austeridade preconizada por ele.
— Na França eu diria que foi mais um voto contra Sarkozy do que contra a austeridade.
Um comentário:
O pior cego é o que não quer ver.
Se as derrotas eleitorais dos conservadores não são uma manifestação contra a austeridade imposta pela economia ditatorial que domina o mundo pelo medo, a primavera árabe foi causada pela quebra da safra de tâmaras no Oriente Médio.
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