domingo, 20 de maio de 2012

O Melhor dos Mundos


Bustani diz que Hollande terá mais identificação com Dilma e brigará por vaga na ONU



O embaixador brasileiro na França, José Maurício Bustani
Foto: Fernando Eichenberg
O embaixador brasileiro na França, José Maurício BustaniFERNANDO EICHENBERG
PARIS — A ascensão do socialista François Hollande à Presidência da França deverá afinar as relações entre Paris e Brasília. Para o embaixador brasileiro na França, José Maurício Bustani, no posto desde 2008, a identidade política de esquerda de Hollande com a presidente Dilma Rousseff facilitará ainda mais o diálogo entre os dois países. Bustani lembra a identificação do Brasil com a proposta francesa de acréscimo de um pacote de medidas de crescimento econômico ao pacto de austeridade europeu; diz que a França deverá intensificar o apoio ao Brasil por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, e valoriza a presença de Hollande na conferência Rio+20, no mês que vem — convite feito por Dilma numa conversa telefônica de cerca de 25 minutos dias antes da posse no Palácio do Eliseu. Nesta entrevista em seu gabinete, em Paris, o embaixador destacou ainda o intenso esforço da França para a venda dos caças Rafale na concorrência aberta pela Força Aérea Brasileira (FAB), na disputa com os jatos americano e sueco.
O GLOBO: Qual será a consequência para o Brasil desta troca de governo na França?
JOSÉ MAURÍCIO BUSTANI: Não penso que haverá alguma modificação deste governo em relação ao Brasil. Eles têm o mesmo respeito e a mesma confiança, que é a palavra mais importante, no que o Brasil representa. Ainda que às vezes tenham percepções diferentes em política externa, estão abertos à discussão. Começamos uma discussão muito importante em torno do conceito da responsabilidade de proteger, introduzida quando surgiram as revoltas da Primavera Árabe. O plus de tudo isto é que sendo um governo socialista aqui haverá uma natural afinidade política maior por conta dos partidos que compõem os governos. O PT e o Partido Socialista têm relações históricas tradicionais, os membros todos se conhecem. O próprio François Hollande esteve no Brasil duas vezes. Já há uma familiaridade muito grande. E agora isto vai facilitar enormemente o diálogo em todos os níveis. O diálogo entre os dois países no âmbito do G20, em questões de trabalho e sociais, já era positivo e será ainda mais agora por conta da filosofia do governo socialista nesta área. Acho que estamos no melhor dos mundos em relação ao que está acontecendo aqui.
Como o Brasil vê a questão da crise europeia e as divergências do eixo franco-alemão em relação às políticas de austeridade e ao crescimento econômico no continente?
BUSTANI: A nossa visão, declarada pela presidente, em relação à questão do futuro da Europa e do euro está muito mais próxima do discurso de Hollande, em relação ao controle do déficit e crescimento, do que era antes. De modo que é mais um ponto de aproximação. A própria imprensa daqui menciona que Hollande, em suas tentativas de estabelecer um melhor diálogo com a chanceler alemã, Angela Merkel, conta não somente com o apoio dos países que têm se manifestado nesta linha, mas também com ex-presidentes, como o Lula (Luiz Inácio da Silva), e a atual presidente Dilma, que defendem este tipo de posição contra a opinião mais conservadora do rigor.
Em que sentido o Brasil poderá interferir?
BUSTANI: O segundo maior parceiro nosso é a Europa, não podemos nos dar ao luxo de ver que quem compra de nós não está podendo comprar. Nosso interesse é o de que a Europa se fortaleça e não desmonte. A nossa visão é que uma política para recuperar a Europa e a zona euro deve ter o truque que o Lula fez de segurar o déficit público e provocar crescimento ao mesmo tempo, com preocupação social. Claro que aqui a preocupação social é em outro patamar. Mas são formas inovadoras que utilizamos e que deram certo, e que acreditamos que podem ser utilizadas na Europa. E nisto Hollande se encaixa, porque ele se inspira muito nestas experiências, e em particular na nossa. Ele sempre gosta de citar o Brasil como a esquerda que deu certo.
Qual foi o tom da conversa telefônica da presidente Dilma com o presidente Hollande, após o resultado das eleições?
BUSTANI: A conversa durou uns 25 minutos e foi um contato excelente, em que houve uma reiteração de parte a parte de elevar a cooperação e a parceria em níveis ainda mais avançados. A sensação é que ficaram contentes com o tom amistoso e receptivo da conversa. No telefonema para Hollande, ela o convidou a participar da Rio+20. Confesso que achei que seria complicado para ele, porque acabou de assumir, e seu calendário é repleto. Tem um tempo muito curto para resolver questões muito importantes em relação à União Europeia, na reunião da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), no encontro do grupo dos países do G8, depois o G20. Mas ele se dispôs a ir, o que acho uma decisão extremamente importante, levando sobretudo em consideração que não teremos a presença de Angela Merkel, David Cameron (primeiro-ministro britânico) e Barack Obama (presidente dos EUA). Mas teremos a presença de um novo presidente de uma grande potência europeia. Um país com qual temos um passado de posições comuns em torno de questões ambientais, como foi o caso na Conferência de Copenhague, em que Brasil e França apresentaram um documento comum. No ano passado houve um abrandamento da frequência de contatos políticos de alto nível, porque era o primeiro ano do nosso novo governo e o último ano do governo daqui. Este ano acho que isto será retomado. Acredito que já a partir do segundo semestre haverá uma atividade mais intensa de encontros ministeriais, e num futuro próximo um encontro presidencial. Nesta visita ao Brasil para a Rio+20, haverá certamente uma pequena reunião bilateral, mas não será ainda um encontro presidencial maior.
Quais os sinais do novo governo francês para as ambições brasileiras de obter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU após uma eventual reforma?
BUSTANI: Hollande já havia repetido em discursos de campanha que o apoio a uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança é incondicional. O governo anterior já era enfático em relação a isso, e o novo será tão ou mais. O Reino Unido também é enfático. O problema são os outros três (EUA, Rússia e China), em particular os americanos, que são a chave da questão. Quando os americanos disserem “sim, vamos reformar (o Conselho)”, acho que aí Rússia e China se movem. Mas quando os americanos fazem um gesto positivo em relação à Índia e não fazem o mesmo em relação ao Brasil, não abrem a porta para que a reforma seja negociada e efetivada. França e Reino Unido continuam apoiando o Brasil, mas enquanto não houver um passo dos EUA em relação à reforma, nada poderá avançar.
Como o senhor analisa a política externa francesa?
BUSTANI: Em geral, a política externa francesa é meio bipartisan, como se diz nos EUA. Não vi neste período nenhuma crítica socialista em relação a todas as iniciativas que (o ex-presidente Nicolas) Sarkozy tomou no campo internacional, sobretudo em relação à Primavera Árabe. Houve resistências que apareceram depois, em relação, por exemplo, à entrada completa da França na Otan. Mas isso era irreversível. E não houve uma perda da independência francesa, como foi criticado, mas ao contrário, a França se reforçou, tem um comando importante, e já participava de fato, apenas institucionalizou algo que ocorria. Outra coisa é em relação à retirada das tropas do Afeganistão. Sarkozy anunciou que retiraria em 2013, e Hollande disse que o fará este ano. Mas são fatores que dependem da realidade. É viável e possível que as tropas francesas saiam este ano ainda? Porque não é só tirar soldados, mas todo o equipamento, os centros de treinamento. Será uma decisão do Hollande, em conversas que terá com seu parceiros da Otan. Mas é uma divergência de tempo, há um convencimento dos dois lados em relação à retirada das tropas. Em relação ao Norte da África, houve uma identidade de pontos de vista aqui. Inclusive um filósofo de esquerda, o Bernard-Henry Lévi, que esteve muito na base desta sensibilização do Sarkozy para a questão da Líbia. Em relação à Síria, não vejo discrepâncias. Mas obviamente talvez haja um pouco mais de flexibilização em relação ao tom, que pode evoluir, mas só a experiência poderá dizer. Uma coisa é o discurso de campanha, outra é quando se está no governo, com mais dados disponíveis sobre os dossiês.
O Brasil espera maior adesão da França nas questões internacionais, em casos, por exemplo, como as negociações entre Brasília e Ancara para o controle do programa nuclear iraniano?
BUSTANI: A França foi aberta à proposta brasileira de negociação no caso do Irã, mas foi ao mesmo tempo confrontada com uma precipitação na votação do projeto de resolução no Conselho de Segurança, o qual ela não poderia vetar. A França estava pronta para esperar algum tempo, mas em questão de horas os americanos apresentaram um projeto de resolução, e aconteceu o que aconteceu. Mas o passar do tempo levou os países ocidentais a se darem conta de que nossa iniciativa tinha seus méritos. Acho que não tem por que o governo socialista não seguir esta linha de abertura e de diálogo, porque não interessa a ninguém inviabilizar essa situação a tal ponto que possa levar a uma guerra. Os países ocidentais se deram conta de que têm de criar condições para evitar que Israel possa agir unilateralmente, sobretudo agora com o reforço interno do premier Benjamin Netanyahu. E mesmo o Irã está abrindo uma nova chance de diálogo.
O protecionismo agrícola europeu, do qual a França é um dos maiores defensores, sempre foi um obstáculo na relação com o Brasil. Há alguma perspectiva de mudança?
BUSTANI: A política agrícola eu não vejo condições de evoluir no curto prazo. Há forças muito importantes. Na França, em particular, o lobby agrícola é forte, e também em outros países. Não obstante, na preparação do G20 na área de agricultura, França e Brasil se entenderam muito bem. Isto não é um fenômeno franco-francês, entra em um outro contexto. São coisas processadas no contexto da UE, a posição da França é conhecida, mas isto nunca impediu que esta relação com o Brasil sofresse qualquer impasse.
Qual é o estágio atual das conversas em relação à compra de caças militares pelo Brasil, em que o jato francês Rafale tem sido apontado como o favorito na disputa com o americano F-18 e o sueco Gripen?
BUSTANI: Este dossiê terá de avançar em algum momento, no momento em que nossa presidente decidir que há condições orçamentárias que permitam esta decisão. E terá de avançar simplesmente porque nós temos de ter um substituto para os aviões que saem proximamente de funcionamento. Estamos com um prazo até meio curto, porque é aparentemente em 2013 que os atuais Mirages não poderão mais voar. O interesse da venda do avião por parte da França não é um interesse de partido, mas do Estado francês. Era tão importante para Sarkozy quanto é para Hollande, disso não há nenhuma dúvida. Não sei se esta será a opção do Brasil, mas aqui há um compromisso do país, da opinião pública francesa. É o orgulho da tecnologia francesa. E é um grande avião. A vantagem do Rafale é que eles poderiam estar em condições de entregar pelo menos alguns aparelhos antes de começar a fabricá-los no Brasil, para já poder fazer a transição e o treinamento. O cenário também mudou com a entrada da Índia neste processo, pois a encomenda deles é três ou quatro vezes superior a nossa. Mas acho que isto não deverá afetar, pois os franceses têm como dar conta. E o Brasil é um parceiro diferente da Índia, é uma outra concepção de parceria. A Índia é um país militarmente armado, é um outro tipo de dinâmica. O compromisso de transferência de tecnologia integrada é o aspecto mais importante da oferta francesa, de modo que o avião se torne franco-brasileiro no processo. O Gripen tem a desvantagem de ainda precisar ser inventado. Este que voa atualmente não é o que precisamos, é pequeno e não tem autonomia, teria de ser desenvolvido um avião adequado equivalente ao americano e ao francês. E o desenvolvimento de um avião desses demora. O Rafale levou de oito a nove anos para ser criado. E esta escolha significaria uma espera muito grande. É o mais barato, porque como não existe pode ser feito de acordo um preço mais adequado, mas como se sabe, o próprio Rafale e o avião americano começaram com um orçamento e terminaram com outro diferente.


  

Um comentário:

Alberto disse...

Pra que serve a vaga da ONU?