quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Comissão da Verdade


‘O Brasil merece a verdade. É como se disséssemos que existem mortos sem túmulos’, disse a presidente



Dilma instala a Comissão da Verdade em cerimônia do Palácio do Planalto
Foto: O Globo / Ailton de Freitas
Dilma instala a Comissão da Verdade em cerimônia do Palácio do PlanaltoO GLOBO / AILTON DE FREITAS
BRASÍLIA – A presidente Dilma Rousseff instalou na manhã desta quarta-feira a Comissão da Verdade, quase seis meses depois de sancionar a lei que a criou. Ela destacou, em seu discurso, que garantirá toda a liberdade e apoio aos membros do colegiado, e fez questão de mencionar que, para chegar a esse momento, foi preciso que todos os governos que a antecederam ajudassem a construir as condições para isso. Na cerimônia, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, José Sarney e Fernando Collor estavam presentes.
- Cada um de nós é responsável por esse momento histórico de celebração. Esse é um processo culminante da luta pela democracia. Um processo construído passo a passo durante cada um dos governos eleitos após a ditatura - disse Dilma.
Muito emocionada, com voz embargada e chorando, a presidente encerrou seu discurso destacando qual será o papel da comissão instalada hoje:
- A desinformação não ajuda a apaziguar. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil e a nação merecem a verdade. É como se disséssemos que existem filhos sem pais, mortos sem túmulos. Nunca, nunca mesmo pode existir uma voz sem história. Uma frase que se atribui a Galileu Galilei diz que ‘A verdade é filha do tempo, e não da autoridade’. Eu diria que a força pode esconder a verdade, mas o tempo acaba por trazer a luz, e esse tempo chegou.
A presidente citou que criação do grupo que estudou a criação da Comissão da Verdade ocorreu no governo de Fernando Henrique, salientando que foi a primeira vez que se fez esse movimento que resultou no colegiado instalado hoje. Dilma citou ainda que no governo Fernando Collor, quando foram abertos os arquivos do Dops de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nesta sequência, ela só não citou o ex-presidente José Sarney, mencionado mais adiante, por seu importante papel na transição da ditadura a democracia.
- O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos homens que buscaram a verdade histórica. É certamente, por isso, que estamos todos juntos aqui.
A presidente Dilma começou o discurso, com homenagens especiais aos ex-presidentes da República, mas com aplausos efusivos dos convidados do Palácio do Planalto apenas para Lula.
- Queira iniciar citando o deputado Ulysses Guimarães, que se vivesse ainda ocuparia lugar de honra nessa solenidade. Como disse Ulysses uma vez: a verdade não mereceria esse nome se morresse quando censurada, a verdade não morre por ter sido escondida. Mas não é justo que continuemos afastados dela à luz do dia - disse a presidente.
- Temos o direito de esperar que na democracia, a verdade, a memória e a história venham à superfície. a palavra verdade não abriga ressentimento, ódio nem tampouco perdão.
Dilma destacou que essa é uma iniciativa do Estado brasileiro e não apenas uma ação de governo, e que não haverá revanchismo.
- A comissão não nos morre o revanchismo, o ódio nem o desejo de reescrever a história. mas mostrar o que aconteceu, sem camuflagem, sem vetos. Por isso muito me alegra estar acompanhado por todos os presidentes que me antecederam nesses 28 perdidos anos - disse a presidente, que foi ovacionada.
Antes do início da cerimônia, Dilma desceu a rampa para o salão de cerimônia ao lado de Lula e FH, os dois últimos presidentes antes dela. José Sarney e Fernando Collor estavam mais atrás, ao lado do vice Michel Temer e do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Brito.
Foram lidos os nomes de todos os membros da comissão, que assinaram o termo de instalação do colegiado, com fortes aplausos. Quando o nome de Maria Rita Kehl foi anunciado, foram ouvidas manifestações empolgadas dos presente, que aumentaram ao anúncio de Rosa Maria Cardoso da Cunha, que foi aplaudida de pé por parte da plateia.
A cerimônia começou com a leitura de uma mensagem enviada pela comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Naveen Pillai. Ela parabenizou o país pela comissão, que segundo ela permitirá o Brasil a se reconciliar com o passado e consolidar a democracia.
- Hoje esta comissão é uma realidade. Demonstra o compromisso do Brasil com os direitos humanos para curar as feridas do século passado. Gostaria de parabenizar o Brasil por essa comissão - disse Amérigo Incalcaterra, representante de Naveen Pillai na América do Sul, ao ler a mensagem.
- O trabalho da comissão deverá ajudar os brasileiros e brasileiras a reconhecer sua própria história - afirmou Incalcaterra - A comissão deve ajudar a reconciliar a sociedade brasileira com o seu passado - continuou.
O segundo a discursar foi o ex-ministro da Justiça no governo FH e membro da comissão José Carlos Dias, que afirmou que os trabalhos do colegiado representarão uma “institucionalizada montagem de memória coletiva”, em busca da democracia. Para ele, a Comissão da Verdade ajudará a consolidar a democracia brasileira, mas "sem caráter de revanchismo e apedrejamento".
- O poder do Estado só deve se estabelecer na forma do direito - afirmou Dias, acrescentando: - Não seremos os donos da verdade, mas seus perseguidores obstinados.
Na quinta-feira passada foram anunciados os sete membros da comissão: Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada de Dilma durante a ditadura; José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça; Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); Claudio Fonteles, ex-procurador-geral da República; Paulo Sérgio Pinheiro, advogado e ex-secretário de Direitos Humanos; Maria Rita Kehl, psicanalista e escritora; e José Paulo Cavalcanti Filho, advogado e escritor.
Human Rights Watch apoia comissão, sem ‘revanchismo e caça às bruxas’
José Miguel Vivanco
, diretor nas Américas da ONG americana de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, enviou carta à Dilma nesta quarta-feira, para manifestar apoio à Comissão. “Reconhecemos a sua liderança ao criar a comissão, incluindo a recente nomeação de membros de reconhecido saber e conduta ética. Acreditamos, ainda, que é fundamental propiciar à comissão da verdade os recursos e o apoio necessários para que ela tenha sucesso em sua missão histórica”, afirma o diretor da entidade, na carta.
Para a Human Right Watch, buscar a verdade sobre abusos passados “não é uma questão de revanchismo nem de caça às bruxas”, mas uma obrigação perante o direito internacional. “Esperamos que a comissão da verdade brasileira seja seguida por esforços direcionados à responsabilização criminal dos envolvidos em violências passadas”, aponta.
A comissão terá prazo de dois anos para funcionar, após sua instalação. Seus integrantes receberão salário de R$ 11,2 mil e terão uma assessoria com 14 servidores. Caberá a ela esclarecer os casos de tortura, morte, desaparecimento e ocultação de cadáveres, identificando e tornando públicas as estruturas, locais, instituições e circunstâncias relacionados aos crimes contra os direitos humanos.

2 comentários:

Alberto disse...

A abertura dos trabalhos da comissão não é um fato histórico.
Histórica será a conclusão da comissão caso apure criteriosamente os fatos. Mais uma vez estamos contando com o ovo dentro da galinha.

Carlos Eduardo Alves de Souza disse...

O fato dos aplausos terem se concentrado no Lula revela bem a tônica que dirigirá essa Comissão.