É carta jogada a cassação do mandato e dos direitos políticos do senador Demóstenes Torres (sem partido-Goiás), acusado de ser sócio do bicheiro Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos de azar. O que ainda não está certo é se a punição será aplicada a Demóstenes antes do recesso do Congresso, daqui a dois meses, ou depois do recesso.
Há testemunhas de acusação e de defesa a serem ouvidas. E há manobras jurídicas à disposição da defesa para tentar retardar ao máximo o julgamento.
Julho é o prazo final para que os partidos escolham seus candidatos às próximas eleições municipais. Agosto marca o início da campanha eleitoral no rádio e na televisão. O Congresso ficará às moscas.
Daí a pressa dos interessados em se livrar da companhia de Demóstenes. E eles são, hoje, a grande maioria dos senadores.
Ao longo da história de mais de 100 anos do Senado, somente um senador foi cassado – Luiz Estevão de Oliveira (PMDB-DF), em 2000. São 81 senadores. Compareceram 80. Votaram pela cassação 52; contra, 18; e 10 se abstiveram.
São necessários 41 votos (metade mais um do total) para que se casse um senador.
Poucos se espantarão no Senado se Demóstenes acabar cassado por algo em torno de 70 votos.
Os 15 membros do Conselho de Ética do Senado acolheram, ontem, por unanimidade, a sugestão de abertura de processo contra Demóstenes por quebra de decoro parlamentar.
Os senadores sabem que não estão diante de um caso comum.
A imagem do Senado foi emporcalhada muitas vezes por senadores metidos em falcatruas, senadores suspeitos de sustentarem a amante com dinheiro de empreiteira, senadores que violaram o sigilo de votações e senadores que mentiram descaradamente para seus pares.
Ainda não se tinha ouvido falar em senador sócio de bicheiro e honorável integrante de uma quadrilha.
Ainda não se conhecera senador bom de lábia e ator de primeira capaz de enganar todos os colegas ao mesmo tempo. Os colegas e o distinto público.
Mesmo os que pensavam diferente do senador admitiam que ele fosse um político respeitável. Um dos raros.
E não era nada disso.
Relatório da Polícia Federal informa que Demóstenes ficava com 30% do dinheiro arrecadado pela quadrilha de Cachoeira.
Gravações de telefonemas trocados entre os dois deixam clara a posição de inferioridade do senador. Ele não agia como um sócio minoritário. Agia como um tarefeiro subserviente. Mandou o decoro às favas.
A exemplo de Luiz Estevão, Demóstenes irá a julgamento duas vezes. A primeira no Senado. A segunda na Justiça comum.
Uma vez cassado, Luiz Estevão foi condenado na Justiça comum e em mais de um processo. Está com seus bens bloqueados. Duas vezes foi preso. E ainda corre o risco de tirar alguns anos de cadeia.
A Justiça exige provas irrefutáveis de um crime para que alguém possa ser condenado por ele. As provas podem até existir, mas se não foram obtidas com o rigor previsto na lei, o processo irá pelo ralo. A defesa de Demóstenes conta com isso.
O Senado dispensa provas concretas para cassar mandatos. A convicção substitui as provas.
“A falta de decoro parlamentar é a falta de decência no comportamento pessoal, capaz de desmerecer a Casa, e a falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-lo a críticas infundadas, injustas e irremediáveis”, segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), relator do processo de cassação de Demóstenes.
O Congresso decretou o impeachment do presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. A Justiça absolveu Collor porque considerou a acusação inconsistente.
A Câmara cassou o deputado Roberto Jefferson por achar que ele não provou a existência do mensalão do PT. Em seguida cassou também José Dirceu, convencida de que ele fôra o chefe do mensalão.
Havendo maioria de votos...
O condestável do PMDB e da chamada Nova República que sucedeu à ditadura de 64, o deputado Ulysses Guimarães, costumava dizer do alto de sua experiência:
- No Congresso, se você tem maioria, só não faz homem virar mulher ou mulher virar homem. O resto você faz.
Um comentário:
Demóstenes e a economia grega estão afundando sem esperança de resgate.
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