Cartas de Paris: O debate e os valores da república francesa
Quarta-feira a noite, as cervejas estavam na geladeira e as pizzas no forno. Todos reunidos na sala, na frente da televisão. Não era a final da Champions nem um amistoso França-Brasil. Nos organizamos para assistir o que os franceses definem como um dos principais “rituais republicanos”: o debate entre os dois candidatos para o segundo turno das eleições presidenciais francesas.
Quando você mora na França entende que, neste país laico, só os valores republicanos são sagrados. Até hoje não entendi muito bem quais são estes valores – o que poderia custar minha cabeça, digo, meu documento de residente – mas sei que o debate faz parte deles.
Normalmente só um debate é realizado entre os finalistas da corrida pelo Eliseu, alguns dias antes do segundo turno. Durante o confronto, é necessário seguir algumas regras. Se o candidato é de direita, deve citar De Gaulle, se é de esquerda, deve falar de Anatole France ou Jules Ferry.
Entre propostas para resolver a crise e o desemprego, é necessário soltar algumas frases de efeito que entrarão para a posteridade e serão citadas à exaustão pelos jornalistas.
“Você não tem o monopólio dos sentimentos”, disse Valéry Giscard d’Estaing a François Mitterand, em 1974. Sete anos mais tarde, foi a vez de Mitterand dizer a Giscard d’Estaing, “se eu sou um homem do passado, você é o homem do passivo”.
Este ano, Nicolas Sarkozy foi o autor da melhor frase da noite: “François Hollande a diferença entre nós é que você trabalha para que existam menos ricos e eu para que existam menos pobres”.
Logo depois do debate, comentaristas analisam cada frase e fazem comentários como “Sarkozy manteve um discurso que não se compara ao de Jacques Chirac de 1998”, enquanto “Hollande usou um gestual parecido com o de Mitterand em 1981.”
As palavras de ordem deste ano foram “união” e “mentira”.
Não se engane, os debates franceses não têm muito em comum com os brasileiros. Neste país que destituiu a monarquia, mas trata seus presidentes como reis, a eleição e tudo o que se relaciona com ela faz parte deste rito religioso republicano.
Talvez por isso Sarkozy tenha tanta dificuldade de melhorar sua imagem junto aos franceses. Durante os cinco anos que esteve no poder, ele dessacralizou a imagem do presidente: misturou vida pública com vida privada, insultou e mentiu para os súditos. Crimes que o povo francês não perdoa.
Uma cabeça deve rolar no domingo que vem, eu aposto que será uma coroada.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras
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