domingo, 24 de maio de 2009

Vergonha de Quem ? - Cristovam Buarque



No sábado passado, estava em Londrina, no Paraná. Lá, vi num adesivo de carro o lema: "Tenho vergonha dos políticos brasileiros." Pensei em copiá-lo, adaptando o texto para: "tenho vergonha dos motoristas brasileiros."
Afinal, se temos vergonha dos políticos, tenhamos também dos motoristas, já que somos o país com maior índice de assassinatos no trânsito. Nossos motoristas são tão assassinos quanto os políticos são ladrões. Mas não vou generalizar: há motoristas cuidadosos, e há políticos decentes.
Pensei que a lista de adesivos poderia ser bem maior. Alguns exemplos seriam: "Tenho vergonha dos profissionais liberais brasileiros", porque nos perguntam se queremos pagar com ou sem recibo; ou "tenho vergonha dos contribuintes brasileiros", porque aceitam sonegar impostos; ou "tenho vergonha dos alfabetizados brasileiros", porque são capazes de conviver tranquilamente com 14 milhões de compatriotas incapazes de ler, de reconhecer a própria bandeira. Ou, ainda, "tenho vergonha dos eleitores brasileiros", porque foram eles que elegeram os políticos que envergonham os brasileiros.
Mas considerei que estava generalisando e pensei em outro adesivo: "tenho vergonha dos brasileiros que generalisam."
O adesivo que vi em Londrina não estava errado. Hoje em dia, os motoristas têm razão em sentir vergonha de nós, políticos brasileiros. Assim como nós temos o direito de sentir vergonha dos motoristas. Mas estes adesivos que imaginei só se aplicam se atribuirmos a toda categoria os defeitos de alguns de seus membros. A diferença entre os políticos e as demais características é que, embora seja um erro generalizar, no que se refere ao nosso comportamento ético, é correto generalizar nossa incompetência para administrar o país, para eliminar a corrupção, para acabar com as vergonhas que sentimos. É um erro considerar que o comportamento corrupto está generalizado entre todos os partidos, mas é correto generalizar a responsabilidade dos políticos na aprovação das políticas públicas que fazem do Brasil um país atrasado, dividido, não civilizado, desigual.
Aquele motorista de Londrina com o adesivo no carro atribuiu incorretamente o comportamento corrupto a todos os políticos. Ele certamente nem pensou em generalizar a incompetência que impede as lideranças políticas de mudarem os rumos do Brasil. Certamente, aquele motorista está incomodado com os políticos que se apropriam do dinheiro público, mas é bem possível que aprove as políticas orçamentárias que constroem mais viadutos do que escolas. Aquele motorista não deve se incomodar com políticas que o beneficiam - como a redução do IPI de automóveis -, mesmo que isso reduza recursos que atenderiam às necessidades da população pobre. Ele se declara contra a corrupção no comportamento dos políticos, mas é conivente com a corrupção nas prioridades que o beneficiam.
O adesivo certo seria: "Tenho vergonha das políticas públicas brasileiras e dos políticos que as criam e aprovam, beneficiando a atual minoria privilegiada, e prejudicando a maioria excluída e as gerações futuras, que ficarão sem os recursos que estamos desperdiçando". Outra sugestão de adesivo seria "tenho vergonha de ser mais um brasileiro que incinera florestas e cérebros". "Tenho vergonha de queimarmos, por minuto, o equivalente a seis campos de futebol na Amazônia, e 60 cérebros de crianças que são jogadas para fora da escola".
Mas estes adesivos, além de muito compridos, não seriam bem compreendidos, porque, com nosso baixo nível de educação, somos incapazes de entender nuances e detalhes. Só entendemos as generalizações simplificadas.
Talvez o adesivo certo fosse "Tenho vergonha do grau de deseducação dos brasileiros", até porque essa é uma generalização bastante aceitável. Porque a deseducação dos brasileiros que não foram educados; ou dos que receberam educação mas não a usam; ou a utilizam apenas em bebefício próprio, sem nenhuma consideração pelo Brasil - presente e futuro -, é, sim, generalizada.
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Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador (PTD-DF)

3 comentários:

Odiatis Misantropoulos disse...

Tenho vergonha é do meu passaporte que me atrela ao povo mais torpe do planeta.

Alberto del Castillo disse...

Atendendo ao apelo do Cristovam não vou generalizar.
Tenho vergonha do Cristovam Buarque. Um homem preparado e dedicado à educação deveria ter vergonha da ignorância que apela para os atalhos da generalização. Deveria encarar os problemas de forma metódica buscando soluções específicas e não ficar saltitando de um problema para outro sem uma análise séria das variáveis em jogo.
Resumindo, deveria ter vergonha da atuação marqueteira dos políticos quando se dirigem aos eleitores gerando falsas expectativas quanto à solução dos problemas, isto é, ter vergonha do que acaba de escrever.

Anônimo disse...

Parece que ele não entendeu ainda que os eleitores estão revoltados com a baixaria dos nossos "representantes" que estão se lixando para todos