sexta-feira, 22 de maio de 2009

Exercícios de Coluna - Roberto DaMatta

Eu estava botando os bofes pra fora e suando em bicas mas, em compensação, ela também estava ofegante e parecia ultraconcentrada. Havia uma estranha mistura de bem-aventurança e tensão naquela, digamos, delirante atividade. Ademais, era imperioso reconhecer a enorme diferença de idade: scho que somando fantasias e subtraindo realidades, chegava - juro que não minto ! - a meio século. Mas nós dois, superfocados, usávamos os nossos corpos no supremo e indisfarçável esfo~rço de chegar ao clímax desejado. Não nos olhávamos de frente. exceto por breves instantes e, de quando em vez, eu sabia ser necessário variar a potência e o ritmo de impulsão. Por um momento, pensei que todo o esforço ali plantado - os lentos e calculados rodeios iniciais; a subida de frente pelo colchão; os estiramentos enérgicos de braços, associados às longas e vagarosas flexões de coxas e quadris; as cuidadosas reviravoltas de pescoço, quando nossos olhares se encontravam em relâmpagos de glorioso estranhamento; os apertos fortes de mãos pelo peito e espinha - ia dar em nada. Mas quando ultrapassei os 11 minutos e cheguei aos 140 batimentos, não tive dúvida que chegaríamos juntos. Era óbvio que ela estava o tempo todo comigo - em corpo e alma. Fisicamente linda: as coxas longas e bem torneadas, as nádegas perfeitas e os pequeninos seios balançando naquela cadência frenética que precede a parada final. Ela estava grandiosa no equilíbrio entre a sua mais extremada auto concentração e o milagre de entregar inteiramente o seu corpo ao nosso esforço conjugado. Quando atingimos o auge, aos 35 minutos, diminuímos a marcha e deixamos prazeros o líquido morno escorrer pelos nossos corpos em grandes bagas. No meu iPod, Sinatra detonava um maravilhoso "You make me feel so young", num arranjo de Don Costa.
Desliguei as máquinas, desci triunfante da esteira, enxuguei a testa. Com o rabo do olho, vi a deusa do meu lado fazer o mesmo. Bem que o pessoal da academia podia aplaudir...
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(O Globo, 21/05)

Um comentário:

Odiatis Misantropoulos disse...

Uma pérola Ivanildo, aliás uma pausa refrescante em meio a imundície da maioria das notícias que nos chegam.