sábado, 23 de maio de 2009

O Teatro da Moralidade - Diego Escosteguy



O presidente do Senado, José Sarney, convocou a imprensa na semana passada para anunciar com orgulho os resultados de um estudo feito para extirpar da burocracia da Casa as aberrações que vieram a público nos últimos meses - coisas como a existência de 181 diretores, ou funcionários que são donos de mansões, ou verbas que bancam toda sorte de despesa pessoal dos senadores... O estudo foi encomendado à conceituada Fundação Getúlio Vargas, que dispôs de 35 dias e 250.000 reais para apresentar uma proposta de limpeza do Senado. Em 1995, a mesma FGV recebeu a mesma tarefa do mesmo senador José Sarney - que, talvez por uma coincidência cósmica, era presidente do Sunado na ocasião. O noticiário recente demonstra que essa velha parceria não deu muito certo. O ato da semana passada seria uma coletiva, mas, assim que Sarney proclamou as primeiras palavras moralizadoras, descortinou-se um teatrinho de má qualidade, cuja trama é tão surrada quanto a encenada há quatorze anso. Sarnet pôs-se a arengar:
- Não sou daqueles que gostam de soltar fogos de artifício. Não vamos fazer espetáculo, mas é uma reforma de profundidade. Vamos cortar 40% da Casa.
No ato seguinte, um diretor da FGV assegurou que o Senado funcionaria perfeitamente com apenas um terço dos funcionários que tem joje. Os dois disseram que o que a plateia queria ouvir, e não o que será feito. Não há força no universo, nem mesmo José Sarmey, que consiga demitir dois terços do Senado.
A demagogia do discurso ficou evidente quando os atores admitiram que os superbirocratas do Senado podem até vir a perder o título nobilárquico de "diretor", mas manterão os salários e as gratificações. Na verdade, se acatada, a proposta da FGV resultaria numa economia de apenas 650.000 reais mensais - um trocado, se comparado ao orçamento anual do Senado, de 2,7 bilhões de reais. "A redução de despesa não é significativa", concluiu um dos doutores da FGV, num raciocínio que impressionou. O papelório consiste de um amontoado de intenções vagas. Há nele 121 páginas, muitas palavras difíceis e poucas propostas exequíveis. Entre "macrofluxos" e "departamentalizações", a palavra "transparência", que é exatamente tudo o que o Senado mais precisa neste momento, aparece uma mísera vez - e somente de modo genérico, vago. Os doutores da FGV, no entanto, deixaram claro que não puderam ir a campo e que dispuseram de um "tempo exíguo" para preparar o relatório. Quando as perguntas dos jornalistas começaram a se multiplicar, Sarney percebeu que a peça não agradara - e saiu de fininho.

2 comentários:

Odiatis Misantropoulos disse...

Como sempre (e como aponta o título), teatro p/ boi dormir. E qual será a reação da mais uma vez achincalhada população? Meia dúzia de protestos, um blá-blá-blá sem conseqüências, e os ingênuos de plantão dizendo que a resposta deve ser dada nas urnas. Seria sim esta mesma população tivesse consciência política, que é resultado de educação, informação legítima e imparcial e muitas outras coisas que faltam a este povo. Daqui a umas 50 gerações quem sabe, mas por enquanto é gado que se contenta com feno e curral.

Alberto del Castillo disse...

É lamentável a decadência da FGV entre os períodos Simmonsen e Mantega. O que foi um centro de excelência e pesquisas científicas passou a ser o laboratório mercantilista de pareceres técnicos.
Mantega e Sarney formam um par de anti-servidores públicos insuperáveis. A lista de prejuízos outorgados à nação jamais será superada.