Três últimos capítulos publicados:
035 em 25/01
036 em 28/01
037 em 01/02
____________________________________________________
Na Assistência 24 Horas, tudo corria tranquilo. Luiz Felipe assumira suas novas funções e, muito cauteloso, ainda não tomara nenhuma medida que alterasse substancialmente o funcionamento da máquina. A implantação das novas plataformas estava em curso e, agora, dentro do cronograma.
Estava se preparando para viajar, não a Paris e Londres, como Mauro sugerira anteriormente. Luiz Felipe pesquisara e concluíra, com a concordância de Ernesto, que a visita devia ser feita a Nova Iorque, onde se localizava o maior “call center” do mundo.
Estava se encontrando com muita freqüência com Mercedes. Guilherme e Rodrigo, que a tinham conhecido no jantar comemorativo das promoções, disseram a Luiz Felipe, sem que ele tivesse perguntado, que aprovavam a escolha, lamentando, apenas, que ela fosse advogada e não cardiologista.
- Afinal, na sua idade...
Ele estava se sentindo muito bem, namorando como um adolescente, indo a cinemas, a teatros, a restaurantes. Os encontros “sur le lit”, como dizia Luísa, aconteciam em seu apartamento ou no apartamento dela.
Mercedes, felizmente, não tinha a cabeça de Ana Maria e, sem obviamente colocar um aviso na porta da geladeira, não se preocupava em esconder de seu filho Ricardo, nem de sua empregada que, às vezes, havia um homem em sua cama. Ia a motéis de vez em quando, mas este não era um dos programas que mais a entusiasmava.
Tampouco tinha a cabeça de Rosângela, com quem Luiz Felipe se entendia muito bem na cama, mas com quem jamais conseguia conversar algo sério. A criatividade de Rosângela não passara daquela bobagem das tortas de abóbora, que ela estava repetindo há tanto tempo.
Ele percebeu que do jeito como as coisas estavam caminhando, iam acabar morando juntos. Já pensara muito sobre isso e até pedira à secretária para ir procurando um apartamento para alugar, embora tivesse percebido, por uma ou outra observação, que Mercedes preferiria não sair do local onde morava.
Era preciso pensar bastante, pois, afinal, ainda tinha um pouco de medo de morar com alguém, depois de tanto tempo sozinho. Quando pensava na mãe de Mercedes almoçando com ela todos os sábados, no barulho irritante dos jogos de computador com os quais o filho e os amigos brincavam horas seguidas nos fins de semana, nos irmãos, primos e sobrinhos de Mercedes... Luiz Felipe hesitava.
Quando foram acertados todos os detalhes de sua viagem, decidiu que não queria ir sozinho. Consultou sua conta bancária e, satisfeito, viu que ela engordara, depois que fora promovido a Diretor. E resolveu convidar Mercedes para acompanhá-lo.
Seria uma boa oportunidade para que se conhecessem melhor, vivendo juntos, sob o mesmo teto, mesmo por uma semana, mesmo que o teto fosse o de um hotel em Nova Iorque. E, portanto, uma oportunidade para decidir se valeria a pena ou não morarem juntos.
Mercedes disse que não tinha condições de viajar, por causa de compromissos financeiros que assumira. Luiz Felipe, disse que era ele quem estava convidando e que ela não teria nenhuma despesa.
- Agora, se você é daquelas de fazer compras... Nova Iorque é um perigo.
Mercedes trocou suas férias com uma colega do Tribunal, arrumou a agenda no escritório, recebeu uma boa ajuda da mãe, para as compras..., e os dois viajaram.
Quando voltaram, tinham tomado a decisão. Morariam juntos na casa de Mercedes. Ela não impusera esta condição mas alegou que era preciso uma fase de transição para que o filho se acostumasse com a idéia.
- Eu não quero muitas mudanças, ao mesmo tempo, na vida dele. Depois, a gente pensa...
Luiz Felipe foi morar com Mercedes. Estava... como é que dizia sua avó ? Constituindo família. E estava feliz, quase tanto quanto Dona Esmeraldina, que já não achava que a filha estava arrumando encrenca ao se casar... ela não dizia juntar, dizia casar... com um quase cinqüentenário, esquecendo-se, outra vez, da idade da filha...
Mercedes recusou-se a fazer a festa que Luiz Felipe programara, dizendo que na idade deles isso ia parecer ridículo. Mas concordou em oferecer um jantar para os amigos mais chegados.
José Eduardo apareceu acompanhado. Tinha casado outra vez... com a mesma mulher. Nos exatos três minutos em que conseguiu ficar a sós com Luiz Felipe e, depois de já ter tomado muitas doses de uísque, disse que Renata estava bem melhor, até aceitando que a Lei da Gravidade não precisava necessariamente ser obedecida por todos, ao mesmo tempo.
A turma da GLS compareceu em peso.
Guilherme, sob os protestos da mulher, que achava brincadeira de mau gosto, entregou a Luiz Felipe uma caixa de Viagra, alertando que ele não deveria tomar mais do que dez comprimidos por dia, por causa do coração.
Rodrigo, com uma namorada esfuziante, que ninguém vira antes, jurava que não a tinha conhecido através do disque-girl.
Pedro Rosenbaum, acompanhado por uma namorada solidária, também registrando em seu currículo uma altíssima taxa de triglicerídeos, estava muito tranqüilo porque Mercedes, devidamente avisada por Luiz Felipe, mandara fazer uma travessa de legumes, sem batatas.
Selma Osborne entrou triunfalmente com seu BB lindo e a expressão dos dois já não deixava dúvidas: estavam mesmo namorando. Luiz Felipe comentou com Ernesto, que chegara mais tarde, que a GLS, mais uma vez, atestava seu pioneirismo: era a primeira empresa do mundo que tinha em seu quadro, o também primeiro ex-veado do mundo.
Os convidados de Mercedes eram exatamente oito colegas do Tribunal e mais dezessete parentes, entre irmãos, tios, primos, sobrinhos...
Às duas horas da madrugada, a festa estava encerrada. Não houvera padre, nem juiz, nem qualquer papel assinado, mas Luiz Felipe e Mercedes consideraram-se casados.
Luiz Felipe sonhou que Luísa também tinha comparecido.
Seu relatório sobre a viagem foi entregue a Ernesto que o leu e o aprovou no mesmo dia, encaminhando-o ao Presidente da Companhia, ao qual estava subordinado, desde a queda de Mauro. O relatório voltou em uma semana, também aprovado, o que implicava na adoção de algumas medidas que alterariam algumas providências já tomadas na área de informática. Ele reuniria a equipe para discutir as novas medidas.
Três dias depois, Luiz Felipe foi chamado para uma reunião com Fábio Cerqueira, o novo Diretor de Marketing e perguntou se Ernesto o acompanharia. Ernesto disse que não, o assunto não era com ele.
- Vai você, Luiz Felipe. O Fábio já tinha falado comigo. Ele quer ver com você o projeto de divulgação.
Fábio Cerqueira fora Diretor Regional da GLS em Recife e se destacara no ano anterior, ao ganhar um prêmio por ter sido sua filial a que mais crescera em vendas, com um dos melhores índices de produtividade.
Tinha formação universitária em Comunicações e curso de Administração de Marketing na Fundação Getúlio Vargas. Entendia realmente do assunto e não perdia tempo com as tradicionais bobagens da fraqueza da força, nem se preocupava em saber quem ganharia a guerra entre a Xerox e a Coca-Cola, que só fora deflagrada na cabeça delirante de Mauro Cardoso... Com quarenta e um anos de idade, Fábio era o mais jovem Diretor da GLS Seguros.
Quando Luiz Felipe entrou, lembrou que aquele tinha sido um lugar importante em sua vida profissional.
Ali estivera, pela primeira vez, quando, quase despedido da GLS, esperara durante horas para ser entrevistado e, finalmente, ser aproveitado.
Ali estivera diversas vezes, em reuniões maçantes, idiotas, sem qualquer objetividade, onde o que mais se discutia era o sexo dos anjos.
Ali estivera, pela última vez, para ser advertido pelo antecessor de Fábio, por ter tratado mal a representante da agência de publicidade, sendo, como bem observara Mercedes, subornado para aprovar o projeto, com uma promessa de promoção, velada, escondida em um organograma com a cara virada para a mesa.
E ali estava, agora, como Diretor de Operações da GLS, muito feliz e muito tranqüilo, absolutamente convencido de que o núcleo neurótico, que morrera afogado em seu vaso sanitário, não ressuscitara e jamais ressuscitaria.
Fábio Cerqueira, ao contrário de Mauro Cardoso, era extremamente objetivo:
- Luiz Felipe, não tenho muito tempo e você certamente também não. O Comitê Executivo aprovou o projeto de divulgação da Mark and Spencer para o lançamento das novas plataformas. Demorou porque, como a indicação inicial viera do meu antecessor, quiseram ouvir a Auditoria para descobrir se havia alguma irregularidade na transação com a agência. Se houve, não descobriram. Portanto, o contrato vai ser assinado.
Entregou a minuta a Luiz Felipe:
- Estou lhe dando a minuta do contrato, e peço que você se comunique com eles, acerte os detalhes, porque certamente o jurídico deles vai propor modificações. Quando estiver tudo certo, você me avisa, para marcarmos a data para a assinatura. Nós podemos fazer isso lá na Assistência 24 Horas. Você decide se isto deve ser feito logo ou se deve esperar, em função do seu cronograma de implantação. E me comunica.
Uma hora depois já estava de volta ao escritório, pedindo a Suzana que ligasse para a Mark and Spencer.
- Teresa, tenho boas notícias para você. O Comitê Executivo aprovou e o contrato com vocês vai ser assinado. Vou mandar a minuta por fax, vocês examinam, mandam de volta e a gente marca a assinatura. O Fábio, o novo Diretor de Marketing, quer fazer um encontro aqui. Tudo bem ?
- Tudo ótimo. Vou falar com o Charles, só para confirmar. É claro que está tudo bem.
- Então você me avisa quem vem. Certamente o Charles e você. Mais alguém ? O Paulo César ?
Teresa disse que Paulo César estava em férias e que não estaria de volta antes de quinze dias e ela esperava que o contrato fosse assinado antes deste prazo. Antes de desligar, não resistiu e perguntou por Mauro Cardoso: - Você teve alguma notícia do Dr. Mauro ? Ele ficou bom, melhorou ?
Luiz Felipe, sem que pudesse explicar porque, tinha achado que Teresa mentira sobre o Paulo César e resolveu fazer a mesma coisa, dizendo que Mauro tinha se recuperado e tinha viajado para a Austrália, onde estava na casa dos sogros.
Quando desligou achou que talvez pudesse não estar mentindo. Se a mulher de Mauro viajara para a Austrália, era provável que ele estivesse por lá também. Mas, afinal, isto não tinha nenhuma importância.
Em dois dias o advogado da Mark and Spencer devolveu a minuta do contrato, onde anotara duas ou três modificações. Discutiu a nova redação com Charles Spencer.
No dia seguinte, estava pronta uma versão em inglês que foi remetida pela Internet para Nova Iorque, de onde retornou quarenta e oito horas depois, sem que houvesse qualquer alteração.
Charles Spencer fez uma última revisão, reuniu-se com Teresa e mais um de seus Diretores e, finalmente, considerou que estava tudo em ordem.
Teresa contatou Luiz Felipe e enviou o documento, no final da tarde de uma quarta-feira. Luiz Felipe consultou o Diretor de Marketing, avisou a Ernesto e confirmou o encontro para a sexta-feira seguinte.
Charles Spencer estava em sua sala com Teresa. Tomavam uma taça de champanha francesa, sem se preocupar se combinava ou não com a hora do dia. Eram nove e meia da manhã e estavam se preparando para sair. Iam assinar, finalmente, o contrato com a GLS Seguros.
- Teresa, finalmente, conseguimos. Você conseguiu...
Abriu uma gaveta, retirou um documento e mostrou-o a Teresa.
- Esta é a alteração do contrato social, aprovada pelo escritório de Nova Iorque. Quero ser o primeiro a cumprimentar a nova sócia da Mark and Spencer. Parabéns.
Serviu-lhe uma segunda taça e disse que não deveriam beber mais.
- Afinal, não podemos chegar bêbados, às dez horas da manhã, no nosso mais novo e importante cliente... E, depois, vamos ter muito tempo para comemorar neste fim de semana em Angra.
Ele já havia mandado chamar o motorista, avisando que sairiam em dez minutos, quando resolveu abrir o seu mail. Havia uma mensagem. Ele pôs a taça sobre a mesa, colocou os óculos, e leu. Depois, leu outra vez, sorriu discretamente, e apertou a tecla do print.
O papel saiu da impressora, ele leu mais uma vez e entregou-o a Teresa:
“Meu querido Charles,
Estou sabendo, e não me pergunte porque eu sei, que você ganhou a parada e que o contrato com a GLS está sendo assinado. Fico feliz por você. E muito mais por Teresa, porque foi ela quem ganhou a conta, com sua competência, com sua inteligência, com sua força de vontade e, acho, com algo mais que ela deve ter sabido usar muito bem com o Luiz Felipe . Não foi você que ganhou a conta com seu dinheiro sujo, Charles, porque seu dinheiro sujo nunca chegou aonde você queria que ele chegasse. Mas, acredite, ele está sendo muito bem usado...
Não fique angry, dear Charles, porque você ganhou muito mais do que eu.
Um grande abraço para você e um maior ainda para Teresa.
Paulo César.
PS - Mauro Cardoso, aqui, deitado a meu lado, também manda um grande abraço”.
___________________________________________________
(No próximo dia 8/2, publicação do último capítulo.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário