Faltam bandeiras, bumbos e povo para o novo Maraca ser nosso
RIO - Não foi, definitivamente, o jogo ideal para testar o espírito imemorial do Maraca. Na entrada, “stwerdesses” com megafones gritando “vai dar Brasil, minha gente” assustavam os torcedores que chegavam pelo Viaduto Oduvaldo Cozzi, assim tratados como estranhos, ou turistas. Tomar cerveja no Bellini antes da partida nem pensar: cercada de gradeados, a estátua servia para enfeitar a fila para as catracas no estilo aeroporto.
Quanto ao povo circulante, estava mais para ariano que que para mistura de raças e classes: ficou claro que o jogo, ontem, foi só para quem está podendo. Lá dentro, os insuportáveis balõezinhos de NBA (ou de vôlei japonês) distribuídos com o logo da Prefeitura inibiram, durante todo o jogo, as palmas, os assovios, os gritos, os palavrões, a molecagem. Os bastonetes com ruído ensurdecedor e marcial deveriam ser proibidos junto com as vuvuzelas e outras armas perigosas de destruição mental e moral em massa.
Os animadores oficiais bilíngues que, antes de começar o jogo, tentaram fazer o público de fantoche com claques de valsa, rock e funk e palavras de ordem niveladas abaixo da primeira infância eram elementos que não vão deixar saudades depois que terminar esse período uniformizador dos ânimos, marca do sufocante padrão Fifa. Abre o olho, Eike. Do contrário, a civilização futebolística do Rio vai pro brejo
Do ponto de vista arquitetônico, apesar da mutilação violenta e desnecessária que sofreram suas linhas, parece que sobrou, não apenas na fachada, mas também no desenho final das arquibancadas, uma espécie de esboço à posteriori do antigo espectro, principalmente por causa da divisão, por uma faixa de concreto, entre o setor central e o superior, criando a ilusão de que ainda existe o grande balcão das antigas arquibancadas debruçadas sobre as cadeiras. Boa surpresa de se constatar in loco: de olhos cerrados, o Maraca se revela vivo.Isto dito, vamos partir para o positivo: o Maraca está bonito, muito bonito, mas é preciso que se perceba o seguinte: só vai ser “nosso” de novo quando os usos e costumes locais forem liberados; quando os preços tornarem-se éticos e decentes; quando entrarem os bandeirões; quando desfilarem os bumbos e caixas, as canções de guerra, a pirraça, o livre pensar e xingar, sem racismo, claro, e sem saco de urina. Em outras palavras, o Maraca, como os carros zero de antigamente, precisa ser amaciado pelo jeitão da galera, pelo balanço dos corpos ao som da bateria. E que saiam de cena o mais rápido possível as trilhas de DJ que encheram, ontem, o Estádio Mário Filho de um astral mais para National Footbal League (NFL) do que para espetáculo de futebol.
As cadeiras, por sua vez, apesar de apertadas e dificultadoras da movimentação lateral, são coloridas num mosaico aleatório que forma um degradê do amarelo ao azul e ao branco à medida que sobem. Um encanto que ecoa algo de modernidade estética transcendente do aspecto tecnológico. O anel superior, mesmo limitado e limitante do relevo e do céu, faz uma bela elipse e tem um quê de scifi. A iluminação é de alta eficácia, mas as cores espetaculosas refletidas na cobertura são excessivas e cafonas, alienando o olhar do essencial para o supérfluo — esse, sempre, o grande perigo.
Um comentário:
É importante que o Novo Maracanã apesar de ser novo não deixe de ser Maracanã.
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