quinta-feira, 20 de junho de 2013

Felipão agora exibe boa dose de tolerância e diplomacia

Técnico deixa de lado o estilo sargentão dos velhos tempos


Felipão durante treino da seleção no Castelão Foto: Cezar Loureiro / Agência O Globo
Felipão durante treino da seleção no Castelão Cezar Loureiro / Agência O Globo
FORTALEZA - Conhecido pelo perfil de sargentão, o técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, tem mostrado rara habilidade para ocupar o alto-comando no gerenciamento de situações de risco. No lugar da truculência de outrora, tornou-se um embaixador da tolerância no momento em que a estabilidade parece estar por um fio. Depois de contrariar as exigências da Fifa e determinar o acesso do público à parte final do treino da seleção anteontem, Felipão reconheceu que não tem muito mais a fazer para conter a insatisfação que envolve os estádios e os eventos da Fifa. Embora tenha exaltado a legitimidade e a importância da mobilização das massas, defende o isolamento da seleção durante a preparação e a disputa da Copa do Mundo:

Apesar do empenho para retribuir o carinho da torcida, Felipão reconhece que o calor humano muitas vezes deixa a seleção numa atmosfera sufocante.— Estamos tentando ter um ambiente muito estreito entre a seleção e o povo, mas há algumas situações de trabalho em que não podemos estar totalmente abertos. Precisamos de um pouco de privacidade. Do contrário, já começamos a perder o Mundial sem ter jogado.
— Em 2002, era fácil porque era fora do Brasil. Aqui é um inferno. O grande problema do Brasil na Copa do Mundo é que a Copa é no Brasil. Era muito mais fácil jogar lá fora — disse o técnico, anteontem, ao programa “Bem, amigos!”, do Sportv, antes de lembrar que a vantagem de jogar em casa vem acompanhada pelo desconforto de não poder atender a todos. — É bom jogar com a torcida. Só que na saída do hotel há mil pessoas, como pode passar sem parar? E, se parar, fica uma hora. São coisas que não podem ocorrer na Copa. São muitas pessoas. O Lucas me pediu para tirar a camisa e dar à torcida. Eu disse “não”, porque, se ele vai lá, atira a camisa e dá uma confusão, e alguém cai e se machuca, nós somos os responsáveis.
Chefe do estado-maior da seleção brasileira, Felipão está mais cuidadoso. No lugar do habitual discurso patriota de que a vitória da seleção é a vitória do país, ontem ele fez uma rara distinção entre as conquistas sociais e as esportivas. O debate remete aos tempos da ditadura militar, quando o uso político da seleção pelo governo fez a militância de esquerda se dividir. Embora uma parte da resistência entendesse que era preciso torcer contra o Brasil para esvaziar o regime, na hora em que a bola rolou, todos juntos vibraram pela conquista do tri mundial no México, inclusive a presidente Dilma Rousseff, à época detida no presídio Tiradentes, em São Paulo
— A seleção é do povo, nós somos o povo — disse, ao negar que a insatisfação social se transforme em rejeição ao time. — Estamos tentando dar aquilo que as pessoas querem, nosso time vem crescendo para representar o Brasil na área do futebol. Noutras áreas, nossa interferência é nenhuma.
Em outros tempos, Felipão se sentia capaz de resolver tudo à sua maneira. À beira do campo, já atirou bola em adversários. Nos vestiários, foi flagrado mandando seu time apelar para as estratégias mais baixas. Logo após a conquista do penta, em 2002, na Copa do Japão e da Coreia, não se intimidou em dizer ao programa “Roda viva” que a ditadura de Pinochet trouxe progressos ao Chile, mesmo que fosse contrário ao regime. Ainda no Oriente, fotografado ao lado de intérprete coreana que era badalada como a musa da delegação brasileira, Felipão se irritou por ver na abordagem insinuação maldosa que depunha contra a sua imagem de marido fiel e chefe de família exemplar.
O tom diplomático, que o fez ser aplaudido antes de sua reestreia pela seleção em Londres, desta vez serviu para deixar os mexicanos à vontade. Após prometer aos ingleses que retribuiria a acolhida que recebeu no Chelsea, por estar certo da classificação britânica para 2014, ontem Felipão celebrou o fair play que marcou a vitória sobre o México por 2 a 0, em 2006, quando comandava a seleção portuguesa.
— As duas torcidas se misturaram e trocaram camisas. Foi um ambiente incrível, espero que se repita aqui. Afinal, há grande identidade entre brasileiros e mexicanos — disse, antes de marcar diferenças dentro de campo. — Temos uma filosofia e vamos jogar de acordo com ela. Temos que vencer os duelos individuais e conhecer todas as qualidades do adversário.
Edilson e Vampeta
Para isso, os jogadores receberam na noite de ontem informações sobre o México levantadas por Alexandre Gallo, técnico das seleções de base, que tem atuado como observador para o time principal. A palestra era duplamente esperada por Felipão. Além de aperfeiçoar sua estratégia, serviu para dar um ritmo mais sereno à concentração. Nas horas livres, o pagode dos jogadores tem desonrado a tradição de uma seleção conhecida por jogar futebol por música.
— A bandinha do nosso time é muito ruim. Vou fazer um teste na Bahia — disse, referindo-se ao estado em que Brasil enfrenta a Itália, no sábado. — Vou chamar o Edílson e o Vampeta à concentração para dizer o que acham do samba.
Ao abrir as portas para os pentacampeões, conhecidos pela rebeldia e pela irreverência, Felipão mostra que está aberto às manifestações. Mesmo que precise de isolamento, as tensões do lado de fora e o samba de qualidade duvidosa ameaçam a paz do comandante. Por maior que seja a concentração, só um técnico “paz e amor” consegue dormir com um barulho desses.


Um comentário:

Alberto disse...

Não sei se o Felipão tem acertado em sua filosofia de jogo mas ao apontar a grande afinidade entre brasileiros e mexicanos acertou em cheio. Nós gostamos de cantar, dançar, comer, beber e odiar os americanos.