quinta-feira, 27 de junho de 2013

Porque parou - Miriam Leitão


O governo precisa mudar projetos e prioridades se estiver falando sério sobre mobilidade urbana. O trem-bala é a maior obsessão. Mas vejam se faz sentido: iria custar R$ 12 bilhões, depois chegou a R$ 19 bi, passou para R$ 30 bilhões, e agora é R$ 33 bi. No mercado se diz que pode chegar a R$ 60 bilhões. Com esse dinheiro, daria para triplicar a rede de metrôs que existe hoje no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O professor Paulo Fernando Fleury, especialista em logística, acha que um sinal de que não faz sentido essa insistência é o fato de que o leilão foi marcado e suspenso três vezes porque não aparecia empresa interessada. A cada fracasso, o governo aumentou as vantagens para o empreendedor, elevando a parte que será financiada ou garantida pelo governo:
— Hoje já se pode dizer que 90% do projeto será de uma forma ou de outra com capital estatal em financiamento ou subsídio. A nova licitação está marcada para este ano.
Seria maravilhoso, de fato, ter um trem rápido ligando Rio e São Paulo para ser alternativa à ponte-aérea. A questão é que o Brasil está sufocado por problemas de mobilidade urbana mais urgentes. Praticamente, as cidades estão paradas no trânsito, perdendo tempo, produtividade, vida em família, lazer, chance de ficar com os filhos, hora de namorar, tempo para o descanso. Horas e horas, todo o dia é dia de ficar parado no trânsito. Ninguém aguenta tanto sufoco e isso se espalhou pelo Brasil. Há muito tempo São Paulo perdeu a exclusividade desse tormento. E quem vai de transporte público sofre infinitamente mais.
Nisso, o governo deixa de investir o pouco que está no Orçamento para a mobilidade urbana. Os dados do site Contas Abertas são estarrecedores.
— Nos últimos 11 anos, desde 2002, todo o dinheiro previsto para a mobilidade urbana no Orçamento Geral da União foi de R$ 5,8 bilhões e foi desembolsado apenas R$ 1,1 bilhão. Isso é 19% do total que estava autorizado no Orçamento — diz Gil Castelo Branco.
Agora, leitores, comparem a exuberância do dinheiro que será necessário para fazer o trem-bala e a irrisória quantia colocada em 11 anos em mobilidade urbana. E vamos pensar: o que é mais importante?
Quando foi criada a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), elogiei, aqui neste espaço, pensando que, afinal, haveria algum órgão pensando a logística do país de uma forma geral.
— A EPL está com todo o foco voltado para o trem-bala. Só o estudo de engenharia detalhado custou R$ 1 bilhão — diz Paulo Fleury.
A mobilidade urbana é assunto dos três níveis administrativos, mas grande parte das obras pode ser feita com recursos da União.
— No sétimo balanço do PAC, o governo informa que em mobilidade urbana há 50 obras nas grandes cidades, duas concluídas, e 63 projetos nas cidades médias, todas em "ação preparatória" — diz Gil Castelo Branco.
Enquanto não investia em obras para melhorar o ir e vir nas engarrafadas cidades brasileiras, o governo abriu mão de bilhões de impostos para incentivar a compra de carro individual, perdendo recursos que, por lei, deveriam ser destinados ao investimento em infraestrutura de transporte.
Se o governo quer mesmo falar sério sobre um pacto com os outros entes federados em mobilidade urbana, terá que fazer mais do que dar mais um subsídio ao diesel. Precisa realmente investir pesado nessa área. E será preciso escolher o que é mais importante.
A presidente Dilma disse que serão feitos investimentos de R$ 50 bilhões. Mas faltou dizer: onde, em que projetos, em quanto tempo, quais serão as prioridades, e de onde sairá o dinheiro? Se não responder isso, está jogando números ao vento. Mais uma vez.

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