quarta-feira, 24 de julho de 2013

‘Francisco reforma a figura do papa’, diz Boff

Expoente da Teologia da Libertação envia seu livro ao Santo Padre e tem à frente uma possível reconciliação



Condenado, em 1985, a “silêncio obsequioso”, ele acredita na renovação da imagem do Papa -
Foto: Mayela Lopez / Arquivo/15-03-2007<252,1>
Condenado, em 1985, a “silêncio obsequioso”, ele acredita na renovação da imagem do Papa - Mayela Lopez / Arquivo/15-03-2007<252>
RIO - Leonardo Boff, o personagem mais identificado com a dissidência à esquerda da Igreja católica, recebeu um recado do Papa: ele quer ler seu livro. Encantado, o teólogo já enviou à Arquidiocese do Rio o presente para Francisco e pode até encontrá-lo na cidade. Se isso acontecesse, seria o fim de uma polêmica que fez mal à imagem da Igreja: por discordar do pensamento único do Vaticano, Boff foi obrigado a ficar em silêncio. Agora, está entusiasmado.
Por que o Papa Francisco mudou sua avaliação?
Ele se mostra como um pastor. Assume as virtudes de São Francisco, que são a pobreza, a humildade e a proximidade com o povo. Isso nos dá muita esperança.
Vai se encontrar com o Papa?
Ele quer receber meu livro. Mandou essa mensagem por uma amiga. Eu já entreguei a obra ao arcebispo do Rio e espero que o Papa receba. Se ele quer me ver ou não, deixo em aberto.
Mas vai participar dos eventos da Jornada Mundial da Juventude?
Dos quatro dias em que o Papa estará no Rio, vou estar fora por dois. Há muitos meses aceitei convite para falar para dois mil estudantes em Santa Catarina e 1.500 em São Paulo. Não posso desmarcar. Por isso, vou acompanhar pela TV. No domingo, dia 28, estarei aqui.
De concreto, o que mudou nesses quatro meses de papado?
O mais concreto é a reforma do papado, não a reforma da Cúria. Estávamos habituados àquela imagem do papado quase imperial, do papa como Sua Santidade, no Palácio Pontifício. Aí vem alguém do Grande Sul, onde vivem 62% dos católicos, onde estão a grande pobreza e a miséria da humanidade, e traz uma experiência nova de igrejas que não são mais reflexos das europeias, de igrejas que têm formas diferentes de viver junto à fé. Ele reforma a figura do Papa. Nossos bispos não são autoridades eclesiásticas de costas para o povo, são pastores, que andam no meio do povo. Francisco vive numa casa de hóspedes, come com todo mundo, dispensa todos os símbolos e instrumentos do poder — carro especial, roupa própria de quem tem a suprema autoridade — e nem quer ser chamado de Sua Santidade. Diz que é irmão entre irmãos. Ele renova a imagem do papa. Não a dessacraliza. Dá à Igreja um contorno que é mais conforme a São Francisco, Pedro e Jesus.
Espera um ato de reconciliação com pessoas que, como o senhor, tiveram vozes discordantes?
Acho que enquanto o Papa demissionário anterior viver, ele não vai fazer uma reconciliação e um resgate desses teólogos. Mas, quando estiver sozinho, vai resgatar os 500 teólogos cujas cabeças foram decepadas. Acho que esse Papa é capaz de desmontar essa máquina de controle e punição e deixar isso às igrejas locais. A Igreja não é uma coisa uniforme. É a primeira grande instância mundial, que está em várias culturas. Não pode ser só uma Igreja ocidentalizada e romanizada. Tem que ser uma Igreja com caráter africano, latino-americano, indígena. Ele vai favorecer esse enraizamento das igrejas nas culturas locais. E, por isso, a importância dos teólogos é forte. Eles dão as boas razões, fazem as correções e as críticas...
O Papa vai enfrentar a queda do número de católicos, mas é contra gays, divórcio, contracepção...
Até agora, o Papa não se pronunciou sobre essas questões. A gente sabe que, como cardeal em Buenos Aires, representava a doutrina comum, mais conservadora. Havia uma razão: com os dois papas anteriores, nem os cardeais nem os teólogos podiam discutir essas questões: a moral sexual, o celibato e a forma de poder absolutista dos papas. Acho que esse Papa, embora possivelmente mantenha posições mais tradicionais, vai permitir uma ampla discussão. Dias atrás disse que não aceitava o padre que não quis batizar o filho de uma mãe solteira. Disse que não existe mãe solteira, mas mãe e filho. A Igreja não pode fechar as portas e negar o batismo, não pode inventar um oitavo sacramento que proíbe receber as pessoas que não se enquadram nas normas. Acho que ele vai abrir a Igreja a essas questões.
Como vai reagir a Cúria?
A Cúria tem mais de mil anos e todos os trejeitos e tramoias do poder que se estabelece como antipoder. Pode tentar frustar o projeto do Papa. Mas ele não é só franciscano, é também jesuíta. Homem da estratégia. Os oito cardeais que nomeou vão fazer junto com ele a Cúria.


Um comentário:

Alberto disse...

Na homilia da missa em Aparecida Francisco enfatizou a importância da esperança, da alegria e da capacidade de se surpreender com Deus
A esperança é o estandarte do Papa que não passou desapercebido por Boff.
A alegria não explícita do teólogo voltará quando recuperar a capacidade de se surpreender com Deus.