sábado, 27 de julho de 2013

Um anti-Ratzinger? - Luiz Paulo Horta

Luiz Paulo Horta é membro da Academia Brasileira de Letras

O que fazer com as meninas simpáticas que vêm me dizer: “Estou apaixonada pelo Papa”? Só posso responder que elas têm razão, que este senhor argentino, largo de corpo, levemente barrigudo, é digno de todo o nosso amor, porque é tão evidente que ele é bom, é honesto, é um pai espiritual...

O “efeito Bergoglio” vai muito além das mocinhas simpáticas. É todo um povo que se comove com o sucessor de Bento XVI, que olha para ele com esperança, numa época em que as lideranças decepcionam.
O que vai acontecer com esse fenômeno? Acho que ele vai durar, porque é autêntico. O Papa Francisco está realmente abrindo tempos novos para a Igreja. Mas, sem querer mudar o clima de felicidade geral, alguns cuidados talvez possam ser tomados:
1) É um equívoco achar que Jorge Bergoglio é um “anti-Ratzinger”. Nada podia estar mais longe da verdade. Ratzinger, como teólogo, pegou fama de “durão”. Eram tempos difíceis para a Igreja e para o mundo. Em sintonia com João Paulo II, Ratzinger achou que, num determinado momento, estava indo muito longe a importação de conceitos marxistas para dentro da teologia católica. E agiu com rigor — que o diga o nosso Boff. Mas, como Bento XVI, não comandou nenhuma perseguição a teólogos ousados. Foi capaz de dizer coisas civilizadas até numa visita a Cuba.
Também não é verdade que ele vivia no luxo. Os famosos aposentos do Vaticano eram amplos, mas não luxuosos (e dizem que, nesses mesmos aposentos, João Paulo II dormia no chão, do lado da cama). Quanto à capinha vermelha, de que ele gostava, faz parte da história da Igreja, não é nenhum manto de papo de tucano.
Mas, tudo bem, viva a virada adotada pelo Papa Francisco. Sim, a Igreja que Jesus criou não supõe cardeais de mantos vermelhos desfilando por galerias renascentistas. Neste sentido, tinha razão o nosso dom Helder Câmara quando, em pleno Vaticano II, defendia uma “igreja das catacumbas”, desprovida de ouropéis.
Outro possível equívoco diz respeito à relação do Papa Francisco com a doutrina da Igreja. Ele não é um teólogo nato. Seus textos não são cintilantes, como os de Ratzinger/Bento. Mas ele pertence à mesma corrente que vem de Ratzinger, e que já foi chamada de “ortodoxia positiva”. Nesse terreno, não se espere dele grandes novidades, revoluções teológicas. O seu papel é o de viver a ortodoxia com a convicção e a alegria que ele considera inseparáveis da vida cristã.
Pelo menos uma vez, ele disse algo de notável: “Se você quer ser cristão, tem de ser, primeiro, judeu”.
Que frase! Aponta em tantas direções! Antes de tudo, para o fato de que Jesus Cristo era judeu (como a Virgem Maria, como os doze apóstolos). O cristianismo nasceu de dentro do judaísmo, e se você se esquece disso, é como querer contar a história de uma pessoa eliminando o fato de que ela tinha pai e mãe.
Mas acho que ele estava pensando, sobretudo, no judeu como homem da Lei. A lei não como um obstáculo, como o fardo pesado que o Cristo censurou com inesperada violência, mas como caminho, e até como Luz. O judeu piedoso é alguém que tem amor à Torá, à Lei de Moisés, como diz o primeiro Salmo:
“Feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor, e medita a sua lei dia e noite. Ele é como árvore plantada junto à corrente das águas, que no devido tempo dá fruto”.
Pode-se ler o Sermão da Montanha como um vasto comentário à Lei mosaica. O Cristo começa dizendo que não veio mudar a Lei, “nem uma letra”. Mas, como fazem os rabinos, ele passa a interpretá-la, de acordo com os novos tempos, e a explicar que, a partir dali, havia alguém que era maior do que Moisés, porque era a própria fonte da Lei.
É à interpretação dessa Lei que se dedicam os Papas, com maior ou menor competência. Nenhum deles precisa ser um grande teólogo como foi Bento XVI. Eles só precisam cuidar para que não se perca o sentido original dessa mensagem, que vem lá do tempo dos apóstolos, e vai sofrendo refrações correspondentes às necessidades de cada época.
Este é o trabalho que cabe ao Papa Francisco — e não é pouco. Mas, desde já, sabemos que não se trata de um fariseu, de alguém que, em vez de percorrer um caminho de luz, vai fazer da Lei o obstáculo que tanto irritava o fundador do cristianismo.

Um comentário:

Alberto disse...

A elaboração dos documentos do Concílio Vaticano II resultaram de debates que mantinham em perspectiva os conceitos de "aggiornamento"(atualização) "ressourcement"(busca das origens). Os sucessores de João XXIII enfatizaram mais o lado "ressourcement". Esperamos que o Papa Francisco restabeleça o equilíbrio pendendo para o "aggiornamento".