terça-feira, 30 de julho de 2013

Cartas de Londres: Quando esses caras trabalham?



Mauricio Savarese
Sempre achei muito curioso quando britânicos vinham me falar sobre a atitude “tranquila” dos brasileiros, como se não ligássemos para nada e vivêssemos todos a beira da praia. Sabemos que não é o caso.
A imagem que eles têm do nosso país faz ainda menos sentido quando se nota como são eles os reais vidas-boas, com um estilo bem mais relaxado que o nosso nos sete dias da semana.
Um amigo inglês já na casa dos 40 diz que muita gente acumula folgas para gastar agora. “E pegam esses dias para comer e beber ao sol, nem todo mundo tem paciência para viajar. Aí dá uma sensação de preguiça disseminada mesmo”, conta ele.
E o trabalho? “A produtividade aumenta porque todos querem aproveitar mais tempo ao sol. As manhãs são bem intensas, o início da tarde também. Depois acabou.”
Não me convenci.
O Reino Unido não tem a siesta espanhola nem a jornada de 35 horas de trabalho semanais como na França. Mas para um país cujo PIB vai crescer menos de 1% neste ano (mais que nos últimos), a tranquilidade britânica é comovente. Dias atrás visitei uma editora e a agenda foi a seguinte: reunião (10h), trabalho (11h), almoço (13h), volta (15h), microtrabalho (16h), pizza (17h) e pub (18h).
Meu mestrado terminou há duas semanas e estou em microférias. Convido meus amigos locais para passeios aleatórios, tanto no meio do dia como no final. Quase sempre estão livres. Todos trabalham. De segunda a segunda os bares estão sempre cheios. Temos dificuldade para agendar uma mesa nos restaurantes que queremos conhecer.


Achei que fosse questão do verão. E numa conversa furada pergunto a um dono de bar se nessa época os negócios melhoram muito. A resposta é um choque. “Aqui não há turistas. Estamos cheios como sempre. A única diferença é que quem bebia do lado de dentro passa a beber do lado de fora”, diz ele. Os estudantes que agora estão de férias são os mesmos que bebem ali no inverno. Começam às 17h e só vão embora às 23h.
Um amigo me diz que está quase sempre livre porque aqui muitos empregos são para apenas dois ou três dias por semana. Outro diz que é cultural, já que viver é mais importante do que trabalhar. Um terceiro conta que esse benefício só é dado a quem não é imigrante -- esses fazem o trabalho duro. Pode ser isso tudo. Mas que eu já não aceito que falem do estilo de vida tranquilão no Brasil, ah, não aceito mesmo.

Mauricio Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area.Twitter: @msavarese. Escreve aqui às segundas-feiras.

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