Luiz Paulo Horta é colunista do GLOBO e membro da Academia Brasileirade Letras
Este domingo, fui à missa na igreja dos jesuítas, rua São Clemente, Botafogo. Igreja lotada, inclusive porque o Colégio Santo Inácio está abrigando mais de mil peregrinos. Nunca vi os cânticos e algumas orações enunciados com tanta convicção. Era emocionante ver aqueles rostos de todos os lados do mundo concentrados num só pensamento.
Esta é a mística dos encontros, que, tratando-se de jovens, vem banhada numa alegria contagiante. É o terreno em que o Papa Francisco se move como ninguém.
Vinicius de Morais, num momento de grande inspiração, disse que a vida é a arte do encontro, apesar de todos os desencontros. É verdade. Se não há encontro, reina, opressiva, a solidão. O adolescente sabe disso, quando ainda está envolvido com suas espinhas, com sua insegurança, com suas inquietações.
De repente, surge a primeira namorada, e o mundo inteiro se ilumina, porque a namorada é o ser extramental em toda a sua glória, é a prova de que a realidade não é composta de sombras, e pode ser entusiasmante.
Todas as religiões trabalham com o tema do Encontro revelador. Foi assim com Moisés, quando guardava cabras nas proximidades do monte Sinai e viu um arbusto que queimava mas não se consumia. Segue-se o diálogo com Alguém que estava dentro do arbusto, momento fundador do judaísmo.
Todo o cristianismo pode ser resumido numa frase: encontrar o Cristo. É a isso que se dedicam os monges nas suas celas, as freiras nas suas clausuras, o cristão comum na sua vida diária. Uma coisa é você acreditar que a doutrina cristã é uma proposta boa, embora você às vezes não entenda por que o padre insiste nesta ou naquela ideia. Outra coisa é você encontrar realmente o Cristo, e ver a sua vida virada de pernas para o ar. Você pode até abrir mão da namorada — como aconteceu com o adolescente Bergoglio.
Estão sendo ditas coisas maravilhosas sobre esse papa que já é, em si mesmo, um milagre. Deve ser verdade. Mas tudo poderia ser resumido de maneira bem simples: ele é um homem evangélico, na linha do santo que lhe dá o nome. Como Francisco de Assis, ele teve um encontro com o Cristo, a que ele se refere com muita discrição. E, a partir daí, surge um homem novo — essa figura notável que nos surpreende a cada dia com a sua modéstia, sua simplicidade, sua paixão pelos pobres (na linha do Sermão da Montanha).
Esses encontros transformadores já foram contados por muita gente (relato comovente é o do historiador Paulo Setubal, num livro hoje esquecido que se chama “Confiteor”). O caso clássico continua a ser o de são Francisco de Assis, narrado na “Legenda dos três companheiros”, um belíssimo texto medieval.
Francisco, filho de comerciante rico, já tivera alguns momentos de experiência espiritual, que o tinham feito desistir de uma promissora carreira nas armas. Fracassara duas vezes e, de volta a Assis, dedicava-se a liderar seus companheiros em festividades que ele bancava com o dinheiro do pai. Conta a “Legenda”:
“Alguns dias depois do seu retorno a Assis, ele foi escolhido como chefe de uma festa por seus companheiros, e encarregado de fixar as despesas como melhor lhe aprouvesse. Fez então preparar um festim suntuoso, como ele já tinha feito outras vezes. Depois do banquete, saíram da casa, e os companheiros o precediam pela cidade, cantando. Ele ia atrás, sem cantar, tendo na mão um bastão para significar que era o chefe. E, sem aviso, ele foi visitado pelo Senhor, e seu coração se encheu de uma tal doçura que ele não podia falar, nem mover-se, nem ouvir, nem sentir nada além dessa doçura que o tinha tornado totalmente estranho a todas as sensações da carne. E, como ele disse mais tarde, se naquele momento quisessem cortá-lo em pedaços, ele não teria podido nem fugir nem se mexer”.
É o que os místicos, cristãos ou não cristãos, chamariam de “iluminação”. E coisas assim espetaculares acontecem com pouca gente. Mas o que o cristianismo ensina é que você pode seguir, pouco a pouco, nessa direção, abrindo o seu coração para o Outro, para quem está do seu lado, e um dia, sem aviso, você sentirá que mais alguém está participando da caminhada. O que conta é o que você puser de amor nessa empreitada. Como escreveu são João da Cruz, “en la tarde te examinarán en el amor”.
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