quarta-feira, 3 de julho de 2013

Dilma e o ketchup, por José Roberto Toledo


José Roberto de Toledo, O Estado de S.Paulo

Quando um fenômeno sem precedentes ocorre, faltam parâmetros para analisá-lo. As fórmulas gastas e os chavões não servem. Para entender o que acontece com a popularidade da presidente Dilma Rousseff é preciso combinar a ciência política com a física teórica. É exótico, mas o fato em análise também é.
Desde que se começou a sondar regularmente a opinião pública sobre o desempenho dos presidentes brasileiros, após a ditadura, nunca houve uma queda como a de Dilma.
Uns governantes chegaram bem mais baixo, outros perderam mais pontos, mas ninguém caiu tão rapidamente quanto a presidente caiu em três semanas.
Dilma perde dois pontos de sua popularidade por dia, em média, desde o começo de junho. É três vezes mais rápido do que a maior perda de qualquer outro presidente desde o general Figueiredo.
Colocada num gráfico, a curva de popularidade de Dilma vira uma queda livre, tão vertical que parece que a tinta escorreu. Não é erro.


É uma avalanche. Começou aparentemente do nada e virou um cataclismo. Na física, esses eventos inesperados de proporções gigantescas são associados ao que se chama de estado crítico: um intenso acúmulo de tensões que acabam liberadas de uma vez só.
É um fenômeno tão ubíquo que ocorre tanto na crosta terrestre (os terremotos) quanto nas garrafas de ketchup. Está presente em todos os lugares, mas é impossível de prever.
Ninguém sabe quantos tapas pode dar no fundo da garrafa antes de ela despejar uma dose indesejada de ketchup no sanduíche. Quando se percebe, é tarde demais. Foi o que aconteceu com a popularidade de Dilma.
Havia estresse acumulado em várias camadas da sociedade brasileira, numa trama propícia ao deslizamento. É a inflação corroendo o poder de compra dos emergentes.
É a insatisfação crescente de quem viu os de cima e os de baixo subirem enquanto ele camela no mesmo lugar. É o ônibus que não anda, a escola que não ensina, o hospital que não cura. Os protestos dos filhos da classe média foram apenas o último tapa no fundo da garrafa.
Quem viajou para o exterior no fim de maio e voltou hoje terá retornado a um país diferente do que deixou. E não são só os manifestantes bloqueando o caminho do aeroporto.
O Brasil rompeu um ponto crítico. O que parecia um sólido apoio popular derreteu, o que era líquido e certo evaporou.

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