Ana Carolina Peliz
Estou na Venezuela há menos de uma semana. Este texto é baseado em minhas primeiras impressões. Durante um mês vou escrever quatro cartas, que serão bem diferentes das que escrevo normalmente, porque não conheço Caracas como conheço Paris. Talvez isso seja bom, já que não estou impregnada pelos lugares comuns dos discursos repetidos.
Não é a primeira vez que venho a Caracas. Quando vim há alguns meses, Hugo Chávez estava agonizante. Agora ele está oficialmente morto. Durante o trajeto entre o aeroporto e o centro observo que, mesmo morto, “el comandante” parece mais vivo que os dois candidatos a presidente.
Causaria espanto a facilidade em falar de política no país. Chega a ser cansativo. Só se fala nisso. Pedir uma informação ou as horas pode ser motivo para começar uma conversa sobre o assunto. E é um tal de “este país va mal”, “no sé que va a pasar”.
Quem não quer conversar sobre política, deve evitar os supermercados, lugar ideal para falar sobre o tema. Mas se quiser ouvir uma dolorosa narrativa sobre os problemas da Venezuela, posicione-se ao lado das prateleiras (vazias) de papel higiênico, produto em falta há semanas. Dessa vez não estou sendo irônica, é verdade!
Em uma dessas conversas de rua conheci Lurdes, que mora em um “barrio”, como chamam as favelas, e trabalha limpando apartamentos nos quais sabe que nunca vai morar nem em seus mais belos sonhos, em Las Mercedes, um dos bairros ricos da capital.
Ela me diz que não sabe se vai votar, mas prefere que seja Henrique Capriles que ganhe. Por essa eu não esperava.
Segundo especialistas entrevistados por jornais do mundo inteiro, os pobres votam em Nicolas Maduro. “Mas Chávez fez coisas boas, não?”, provoco. “Mas Maduro não é Chávez”, responde ela.
Mais uma resposta inesperada. Aparentemente, nem os especialistas parecem ter esta informação.
Lurdes me explica que, ao mesmo tempo, teme uma vitória de Capriles porque dizem que ele vai acabar com as “misiones”, os programas sociais de Chávez. Eu no lugar dela também teria medo. Mas ela diz que não aguenta mais a falta de produtos no mercado e a violência.
Deixo Lurdes me perguntando se ela é uma exceção ou se é representativa da população do país. Por que nunca li nada sobre pessoas que não vão votar porque estão indecisas ou simplesmente porque perderam a esperança?
Mas afinal, o que importa o que pensa Lurdes? Isso é uma eleição! O importante é que a direita continue odiando Chávez e que a esquerda continue admirando seu legado.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela escreve aqui todas as quintas-feiras.
Um comentário:
Temo que o efeito "Orloff" alcance o Brasil.
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