terça-feira, 30 de abril de 2013

O preto, o branco, e o cinza, por Elton Simões



Gosto de fotografia. Tenho vários livros de fotos. Sou fã deSebastião Salgado. A escolha dos ângulos, o enquadramento e a expressão das pessoas fotografadas confessam com suavidade a dureza da vida que levam. É a beleza encontrada na tragédia. É a realidade da vida, implacável e inclemente transformada em arte.
Agrada-me, em particular, a opção de Sebastião Salgado pelas fotos em preto e branco e tudo o que elas revelam. Talvez porque, como na vida, nas fotografias dele não existe preto ou branco. Não existe nada mais enganoso do que descrever sua arte como fotografia em preto e branco. Existe somente cinza. Em um número incontável de variações.
Enxergar em preto e (ou) branco é dar à realidade uma dualidade ilusória. Permitir-se o conforto que somente a ignorância torna possível. A realidade é sempre complexa. A vida é multicolorida, imperfeita e imprecisa. A existência não tem fronteiras ou contornos bem desenhados, definidos.
Não existe solução binária para problemas importantes. Construir um futuro melhor requer o reconhecimento da difícil realidade de que a realidade é formada por um conjunto complexo de realidades mutantes, relacionadas e integradas.


A melhora não se dá, nem se dará jamais, através de debates com a profundidade de poças d’água. Não existe solução mágica, rápida ou imediata. Existe, sim, a necessidade de trabalho duro para endereçar cada uma das variáveis e cada um dos problemas de maneira a que as soluções formem um todo que leve à melhoria.
Infelizmente, parece que o debate está sempre buscando soluções fáceis, onde um tamanho veste todos os problemas. Onde se acredita no maniqueísmo confortável em que as ameaças podem ser eliminadas com uma bala apenas.
A pobreza do debate produz ideias medíocres. Frustram a possibilidade de encontrar soluções. Perde-se tempo, esforços e recursos. As oportunidades escorrem por entre dedos incapazes de retê-las.
Enquanto o debate acontece pobre, mediocre e superficial, o tempo escoa, impiedoso e indiferente. E vai condenando todos nos, vagarosamente, a um deserto de ideias binarias, maniqueistas, sem paixao, poesia oubeleza, onde vagam, sem destino, as oportunidades perdidas.

Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca . Escreve aqui às segundas-feiras.


Um comentário:

Alberto disse...

Este belíssimo artigo quase me convence que o Sebastião Salgado é um artista.