quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Quando Enxugar Gelo é a Única Saída - Marcelo Migliaccio



Temos um novo prefeito na cidade. Há divergências sobre qual seria o maior desafio para Eduardo Paes. (foto) Ordenar o trânsito caótico? Melhorar o ensino público? Cuidar dos hospitais? Conter a expansão das favelas? Exterminar o Aedes aegypti? Arranjar mil quilos de capim por dia para alimentar um elefante branco chamado Cidade da Música?
Nada disso. O que se espera mesmo do alcaide recém-empossado é que ele seja competente na arte de enxugar gelo, um triste esporte nacional, uma doença crônica da classe política, um caminho obrigatório para quem não tem aonde ir.
Verdade que não é uma mazela exclusiva do Rio de Janeiro. No Brasil e mundo afora, governantes não fazem outra coisa. Há quem diga até que um prefeito que se recuse a enxugar gelo simplesmente passará os quatro anos de mandato sem fazer nada.
Comecemos pelo trânsito. De que adiantam o corredor T5, o metrô para a Barra ou a passagem subterrânea sob a linha férrea em Madureira se não paramos de comprar carros, esses insuperáveis símbolos de status? Quem quer chegar ao trabalho descendo de um ônibus quando impressiona muito mais aparecer num bólido reluzente, ou mesmo numa lata velha de estimação? Enquanto essa cultura não mudar, sobrará para o pobre prefeito enxugar o gelo. Claro, dirão que a indústria precisa fabricar carros, vendê-los, gerar empregos... e engarrafamentos.
Vamos agora à escola. A nova secretária de Educação, Claudia Costin, também cheia de boas intenções, extinguiu a tal da aprovação automática, que nada mais é que um sistema de ciclos com avaliações espaçadas. Os pais de boa parte dos 700 mil alunos da rede municipal se queixavam de que seus filhos não queriam saber de estudar por não temerem mais o fantasma das provas de fim de ano e a reprovação. Gozado é que, antes, esses mesmos adolescentes já preferiam as lan houses e os namoros no banco da praça aos livros. Acabavam reprovados e – razão da adoção dos ciclos – abandonando o colégio. Ou seja: não importará o sistema enquanto proliferar a cultura de que, no Brasil, o estudo não compensa.
Nos hospitais, a sinuca é eliminar as filas, o mau atendimento e a falta de médicos. Construir, porém, novos postos de saúde, aparelhar os estabelecimentos já existentes e pagar melhor os médicos é só uma bela forma de enxugar o gelo. Com a falta de saneamento, a miséria e os péssimos hábitos alimentares da galera, haja grana para erguer UPAs 24 horas.
Ah, o Aedes! Quantos agentes de saúde precisaremos contratar até que as pessoas aprendam a tampar suas caixas d’água e a não jogar lixo em valões a céu aberto? Questão de cultura, não de concurso público.
Quanto às favelas, o secretário de Obras, Luiz Antônio Guaraná, fala em cercá-las com muros (o de Berlim não deu muito certo). Adianta limitar fisicamente uma comunidade se a população ali não vai parar de crescer? Enquanto a maioria dos países faz campanhas de controle da natalidade, no Brasil a TV aberta dedica-se à apologia do sexo o dia inteiro. São cinco minutos de Fernanda Montenegro para horas e horas de mulheres melancia, melão, samambaia, filé, jiló... Com essa lavagem cerebral, não vai haver muro que estanque nossa frenética fábrica de brasileirinhos. E Guaraná com gelo vai bem...
Mas o secretário com maior talento para o frigorífico é o da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem. Cabe a ele recolher a população de rua, disciplinar os camelôs, enfim organizar a bagunça. No máximo, fará os mendigos de Copacabana mudarem para o Méier...
A população de qualquer metrópole sabe que tudo que um bom prefeito e sua equipe podem fazer é enxugar o gelo incansavelmente. Cesar Maia até que começou bem disposto para a tarefa. Depois, parece que cansou e largou de mão. E, quando um prefeito deixa o gelo derretendo, começamos todos a submergir rapidamente no caos.
Por falar no antecessor, Paes determinou auditoria nas contas da Cidade da Música. A julgar pelo culto à impunidade que impera no Brasil desde sempre, tudo vai acabar numa bela pizza. Gelada.
Pensando bem, diante de tantos anos, décadas, séculos de pouco caso do poder público com os nossos corações e mentes, só nos resta torcer para que Eduardo Paes não se canse da árdua tarefa. Então, prefeito, sugiro que arranje muitas toalhas grossas e felpudas.

Um comentário:

Anônimo disse...

O Marcelo tem razão ao receber com ceticismo medidas paliativas para os problemas do município.
Num pais pouco afeito à verdadeira democracia, o pai de todos (governo federal) abocanha a parte do leão dos impostos escorchantes a que somos submetidos.
O primeiro passo para a criação da República Federativa do Brasil é uma distribuição mais equânime das receitas entre governo federal, estadual e municipal.