domingo, 18 de janeiro de 2009

As Gralhas Enfurecidas (033)

Três últimos capítulos publicados:
030 - em 08/01
031 - em 11/01
032 - em 16/01
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Guilherme estava dizendo que os chimpanzés eram os únicos animais capazes de se reconhecer na frente de um espelho, quando o celular tocou. Era o trigésima chamada, no restaurante, nos últimos trinta minutos.
Mercedes parecia excitada:
- Luiz Felipe ? Você pode falar ?
- Não. Mas posso ouvir...
Guilherme e Rodrigo pararam de comer e prestaram atenção. Estavam achando que era Ernesto.
Luiz Felipe pediu que Mercedes esperasse um momento, disse aos colegas que continuassem comendo, informou que a ligação não era do Ernesto, saiu e foi falar na rua, na porta do restaurante.
- Pronto, Mercedes.
- Falei com a Fabiana... Quem convidou o Paulo César para a festa do aniversário foi o marido da Fabiana, que o conhece do clube de golfe. Você estava querendo saber sobre a ligação do Mauro com a agência. Pois bem, a ligação chama-se Paulo César. Ele conheceu o Mauro no clube de golfe, ficaram amigos e o Paulo César conseguiu a aproximação com a GLS.
Mercedes fez uma pausa e Luiz Felipe pensou que a ligação tivesse caído. Mudou de posição e esperou.
- Luiz Felipe ? Agora, acho bom você sentar... O marido da Fabiana disse que o Paulo César e o Mauro são muito amigos, jogam golfe todas as sextas-feiras e ficam no bar do clube, bebendo, até tarde. E estão falando..., você sabe, fofocas sobre os dois. Teve gente até dizendo que os viu no vestiário, tomando banho depois do jogo e que parecia existir algo mais do que uma simples amizade.
Luiz Felipe agradeceu as informações e combinou jantar com Mercedes. Descobrira o contato. Paulo César, companheiro de golfe de Mauro... Evidentemente não dera importância alguma àquela bobagem da amizade mais do que amizade dos dois. Fofocas de clubes de golfe, certamente.
Voltou para a mesa.
Guilherme, assinando o cheque, estava dizendo ao garçon que se todos os cachorros quentes consumidos pelos americanos em um ano fossem enfileirados, poderia ser feita uma ponte que cobriria duas vezes a distância da Terra até a Lua.
Rodrigo, referindo-se ao telefonema, perguntou a Luiz Felipe se estava tudo bem.
- Problemas ?
- Não, Rodrigo. Soluções...
Quando chegaram ao escritório, Ernesto ainda não tinha voltado do encontro com o Presidente, nem tinha passado qualquer informação à secretária. Às sete horas da noite, a situação era a mesma. Guilherme perguntou se eles deviam esperar para a continuação da reunião e Luiz Felipe informou que “claro que não, porque se ele quisesse que nós esperássemos, teria avisado”.
Luiz Felipe estava indo para casa, quando o celular tocou. Ernesto estava no carro e disse que precisava falar com ele. Combinaram encontrar-se para jantar no restaurante preferido de Luiz Felipe, aquele que ele freqüentava quando sentia necessidade de pensar na vida.
Chegou antes de Ernesto, sentou-se no bar e pediu um uísque. Olhou ao redor.
Ali sempre estivera com Luísa e com algumas das Brigites do Balcão. E com Ana Maria, com Rosângela, com Mercedes. Ali também estivera antes de encontrar-se com Teresa, na reunião na GLS. Fora ali também que defendera sua tese sobre o matrimônio e ouvira as bobagens de José Eduardo. Era um lugar que significava alguma coisa em sua vida.
E, agora, estaria com seu Diretor, que passara a tarde toda com o Presidente da Companhia e, certamente, traria informações muito importantes.
O núcleo neurótico, há tanto tempo afastado, estava muito perto e, por mais que Luiz Felipe tentasse ignorá-lo, buzinava em seus ouvidos informações alarmantes.
Luiz Felipe tinha pensado em telefonar para Teresa para obter informações sobre a ligação de Paulo César com Mauro, mas tinha desistido muito depressa porque concluiu que ela obviamente tinha conhecimento e se não o informou, não seria agora que ela confirmaria.
E afinal, porque ela deveria fazê-lo ? Por que, na realidade, ele deveria considerar que ela era sua aliada ? Porque, ele pensou, os dois, na realidade, queriam a mesma coisa: se a Mark and Spencer ganhasse a conta, seria muito bom para Teresa, que ganharia mais prestígio na agência, e muito bom para ele, que seria promovido na GLS, isto é, se Mercedes estivesse certa em seu raciocínio.
Quando pensou em Mercedes, deu-se conta que sua vida estava uma enorme trapalhada, seja no aspecto profissional, seja no aspecto pessoal. Tinha havido o episódio Ana Maria e, naquela manhã, quando Suzana lhe entregara o fax com o extrato do banco, viu que entrara no cheque especial e tinha se sentido um perfeito idiota ao ter pago cinco mil reais para ela cuidar do ex-marido, ou para o que quer que fosse.
Havia Rosângela, com quem não se encontrava há algum tempo. Ela vivia entupindo sua secretária eletrônica com poemas de Vinícius de Moraes, acrescentando mensagens muito insinuantes.
Lembrou-se do jantar do concurso das namoradas e, vendo na TV os comentários sobre a Copa do Mundo, percebeu que a tal Lúcia, professora de química, que Mercedes considerara muito chatinha, e a tal Regina, psicanalista, não tinham passado para a segunda fase e que uma dermatologista, uma viúva muito assanhada, que não se inscrevera, tinha ganho o primeiro lugar, fingindo estar de recesso sexual porque não queria magoar a mãe do marido falecido.
Não estava propriamente arrependido, mas achava que não devia ter levado Teresa a seu apartamento, nem ter ido ao motel com Mercedes. Estava, acreditou, não necessariamente se comprometendo, mas, certamente, alimentando esperanças de um relacionamento mais consistente. E riu, pelo eufemismo, ao falar relacionamento mais consistente ao invés de falar casamento. Mais do que isto, estava se enrolando cada vez mais, fugindo de seu objetivo de se estabilizar, juntar-se, morar junto, ter uma casa, uma empregada e... uma mulher para comandar a empregada. Era esse mesmo o objetivo? E, se era, o que devia fazer ? Que rumo tomar ?
Seguir a alegria esfuziante e irresponsável de Rosângela, rolar em sua cama, quantas vezes quisesse, com o estômago cheio de torta de abóbora, mas, também, atrapalhar-se debaixo do chuveiro, com calcinhas e sutiãs pendurados nas torneiras, encontrar toalhas molhadas sobre a cama, xícaras de café transformadas em cinzeiros...?
Ou entrar na organização quase exemplar de Mercedes e de uma empregada quase-governanta mas, também, entrar numa rotina familiar que Mercedes, sem saber, já lhe apresentara, com a mãe almoçando em sua casa todos os sábados, com filho, irmãos, uma porção de sobrinhos e sobrinhas...?
Ou o caminho se chamava Teresa que, naquele momento, devia estar com o namorado, fosse ele quem fosse, em Angra dos Reis ? E Luísa, como estaria Luísa e o petit Pierre da Silva Godard ? Luísa... por que ela não voltava ?
Percebeu que estava se superestimando, decidindo, sem perguntar, que Rosângela, ou Mercedes, ou Teresa queriam fazer uma vida junto dele.
O locutor na TV, falando sobre a derrota da Argentina, disse que, quando um argentino queria se suicidar, se jogava do próprio ego. O núcleo neurótico também ouviu e comentou com Luiz Felipe:
- Presta atenção, porque ele está falando de você, muchacho.
Ernesto chegou às dez horas, tirou o paletó, desatou o nó da gravata, sentou-se e pediu seu uísque. Parecia cansado e preocupado, mas não tanto quanto Luiz Felipe imaginou que ele deveria estar após uma tarde inteira de conversa com o Presidente da Companhia.
- Luiz Felipe, a coisa está feia...
- É bom você contar logo porque eu já tomei três doses e daqui a pouco não vou conseguir ouvir. Ou você prefere tomar três também e nós começamos no mesmo tom ?
Ernesto esperou o garçon servir sua dose, deu um grande gole e acendeu o cigarro:
- Vou começar pelo fim... O Mauro dançou. Já está fora. Já saiu e a sala dele está lacrada.
- Acho bom você começar pelo começo...
- Está certo, pelo começo... você lembra o que comentamos no Natal passado sobre os brindes que o Marketing distribuiu ?
Luiz Felipe lembrava não só o que tinham falado no Natal passado, como nos Natais anteriores. A GLS estava distribuindo brindes importados, caríssimos, e o que se disse na empresa era que alguém devia estar levando altas comissões dos fornecedores.
- Pois é, e estavam mesmo. Provavelmente, gente insatisfeita, que não recebeu o que tinham prometido dar, bateu com a língua nos dentes, enviou uma carta anônima para a Diretoria de Controle... a Auditoria foi chamada, fez um trabalho longo e tão secreto quanto possível e, em resumo, provou que houve fraude na concorrência e, depois, superfaturamento na compra.
Luiz Felipe não estava surpreso, pelo menos, muito surpreso e achou que esta também era a sensação de Ernesto. Afinal, isto acontecia nas melhores famílias, ou nas melhores empresas... e já acontecera antes na própria GLS, como Ernesto já lhe tinha contado.
- Mas, desta vez, Luiz Felipe, a coisa foi muito grande. Mas tem mais: você sabe como é auditoria, você já foi auditor... quando se começa o trabalho e vão aparecendo indícios de mais irregularidades, por menores que sejam os indícios, o exame vai se estendendo, cobrindo outros itens e aí... bem, entraram nos contratos de publicidade.
Luiz Felipe pensou logo na Mark and Spencer mas na mesma hora descartou a possibilidade dela estar envolvida. A transação era muito recente, nenhum contrato fora assinado e só há quinze ou vinte dias é que o processo subira ao Comitê Executivo.
- Também houve superfaturamento nos contratos com as emissoras de TV. Uma festa ! Um festival de roubalheira !
Ernesto já estava no seu segundo uísque e informara outros detalhes do relatório da auditoria. Mauro Cardoso, evidentemente, mostrara-se chocadíssimo com o que ocorrera, dissera que fora traído por seus auxiliares diretos e que imediatamente despediria todo o Departamento...
- Quem foi despedido logo foi ele. É claro que muita gente vai cair. Não se provou, ainda, a participação do Mauro, por isso ele foi despedido sob a alegação de incompetência, desídia na gestão do Departamento... mas o Presidente disse que, apesar de não ter como provar, ainda, e frisou o “ainda”, não tinha a menor dúvida de que o Mauro também meteu a mão no dinheiro e devia estar com uma conta polpuda no exterior.
Luiz Felipe estava pensando se o organograma estava realmente com Ernesto ou se estava trancado, sobre a mesa da sala lacrada do Diretor, aliás, do ex-Diretor de Marketing da GLS Seguros. Então, perguntou:
- E nós ? Vai sobrar para nós ?
- Nós ?
- Nós, da 24 Horas, claro... Nós, eu, você, o Guilherme... todos, as novas plataformas...o novo projeto... o quê que o Presidente falou ?
Ernesto explicou que naturalmente a Auditoria ia também examinar a Assistência 24 Horas, porque era uma Divisão sob a responsabilidade da Diretoria de Marketing.
Quanto às novas plataformas, o Presidente já tinha decidido continuar o processo, dizendo que era uma maneira de minimizar a repercussão da saída do Mauro, a qual seria apresentada ao mercado como um ato de rotina em qualquer grande empresa. A assessoria de imprensa já tinha distribuído uma nota na qual era informado, pura e simplesmente, que o Dr. Mauro Cardoso tinha deixado a GLS Seguros por motivos de saúde.
Luiz Felipe resolveu informar o que acontecera em seu encontro com Mauro, e contou sobre as promoções de Guilherme e Rodrigo, a advertência que recebera por causa de seu comportamento na reunião com a Mark and Spencer, acentuando que achara muito estranho a ansiedade de Mauro em ver o projeto aprovado.
Ernesto não se mostrou surpreso e comentou que Mauro tinha falado com ele:
- Isso é bem coisa do Mauro. Falar com você antes de acertar comigo. Mas eu soube logo depois de você. Passei um fim de semana na casa dele, em Itaipava, e ele me contou... Olha, Luiz Felipe, eu estou muito cansado, você também. Vamos embora. Amanhã vamos continuar a reunião de hoje e vamos tratar de todas estas pendências, quer dizer, nossa postura diante da Auditoria, as plataformas, o projeto de divulgação, a posição de vocês...
Ernesto notou o ar tenso de Luiz Felipe.
- Não fique preocupado... como dizia o próprio Mauro, citando sei lá quem, no final, tudo termina bem e, se não está bem ainda, é porque ainda não terminou...
Resolveram não jantar. Não havia estômago disponível depois de tentar digerir tantas notícias num só dia. Pagaram a conta e foram embora. Luiz Felipe estava achando que tinha sido, novamente, “un jour pas comme les autres” ...
Chegou em casa, ignorou a luz vermelha da secretária eletrônica, sentindo-se como um avestruz diante do perigo, enterrando a cabeça no chão. Ele se recusava a saber que mensagens ainda estavam querendo lhe transmitir.
Deitou-se e lembrou os acontecimentos do dia.
Então, o Dr. Mauro Cardoso, com toda aquela pose de quem não falava, pregava, de quem não andava, pairava... então o Dr. Mauro Cardoso, que bebia Xerox e tirava cópias na Coca-Cola, era mais um integrante da turma dos colarinhos brancos, tinha metido a mão numa montanha de dinheiro, ia, certamente, viajar para a Europa e ainda ia sair muito bem da história, provavelmente como o grande criador da Assistência 24 Horas da GLS Seguros.
Lembrou-se de Ernesto que provavelmente ia se dar muito bem, pois, logicamente, na nova estrutura, fosse ela qual fosse, voltaria a ficar subordinado diretamente ao Presidente da Companhia, o que seria um primeiro passo para tornar-se Vice-Presidente.
Aí, então, perguntou-se o que Ernesto fora fazer na casa de campo de Mauro, em Itaipava... e quando se perguntou, concluiu que devia estar muito bêbado, por ter ouvido Itaipava e não Angra, ou que Ernesto devia estar muito bêbado por ter falado Itaipava ao invés de Angra...
Pensou em ligar para Ernesto, para esclarecer quem tinha bebido mais. Mas era muito tarde. Ele decidiu que perguntaria na manhã seguinte.
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Capítulo 34 - Prevista a publicação para 21/01

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