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Já acontecera na casa de Rosângela, na casa de Ana Maria, na casa de campo do amigo José Eduardo, na casa de praia de seu irmão, em motéis. Luiz Felipe acordava e, por alguns segundos, não sabia onde estava. Aconteceu outra vez.
Acordou, levantou-se no escuro, foi ao banheiro e só então, se deu conta de que não estava em casa, mas não soube, tão depressa quanto era de se desejar para uma mente sã, onde estava. O logotipo na toalha de banho ajudou-o. Ele estava em um motel. Voltou ao quarto, deixando a luz do banheiro acesa e viu que eram três horas, certamente da madrugada.
Deitou-se outra vez e abraçou Mercedes, que dormia com a cabeça coberta pelo travesseiro.
Luiz Felipe percebeu que não conseguiria dormir. Estava muito excitado, lembrando-se da noite anterior. Tinha convidado Mercedes para jantar no Saint Honoré. Comeram comida italiana, apesar da nacionalidade do restaurante, e beberam duas garrafas de Valpolicello.
Ele foi suficientemente hábil para não falar sobre a viagem de Teresa a Angra. O assunto poderia ser tocado, porque, na verdade, seria uma continuação da conversa que tinham tido de manhã, na qual estavam analisando todas as implicações relativas a sua situação na GLS. Mas Mercedes poderia entender diferente, achar que Luiz Felipe, simplesmente, profundamente afetado pelo programa que, pelo menos na sua cabeça, Teresa estava fazendo com Mauro, ou com quem quer que fosse. E não seria politicamente correto, o que quer que isto pudesse significar, falar sobre outras mulheres.
Mas Luiz Felipe que, conforme Pedro Rosenbaum dissera uma vez, não se comportava dentro dos padrões, tinha falado sobre Ana Maria, e, sem medo de parecer um completo idiota, contara a história do dinheiro que lhe dera.
Mercedes, que devia ser psicóloga e não advogada, dissera que Ana Maria, obviamente, tinha dado um fim à relação e explicara:
- Ela fez o que você não teve coragem de fazer...e, sabe, Luiz Felipe, o dinheiro que você deu para ela, e que você sabe que não vai ver nunca mais..., é o certificado de fim de caso, a certeza que você quis ter de que ela não vai mais procurar você. Você sabe como é: o devedor que não pretende pagar foge do credor...
Luiz Felipe falara também sobre Rosângela, concordando com Mercedes e dizendo que ela era mesmo uma viúva assanhada. Dissera que se divertira bastante, mas não era o que ele estava procurando. Também não disse, porque não sabia, o que estava procurando.
Mercedes não perguntara nem fizera qualquer comentário. Deu-se conta de que vinha sendo, há algum tempo, a amiga de Luiz Felipe, desempenhando o papel de uma quase-psicóloga e, decididamente, não é o que ela estava querendo. Pelo menos, não era só o que ela estava querendo. Por isso, ficara realmente muda.
Luiz Felipe percebera o silêncio repentino e entendera. Deu um fim a suas histórias e sentiu-se muito feliz por não ter contado nada sobre o encontro com Teresa, em seu apartamento.
Quando saíram do restaurante, não falaram coisa alguma. Sem insinuação, sem convite, como se os dois soubessem exatamente o que queriam, Luiz Felipe dirigira-se ao motel, entrara e pegara o último quarto que restava na noite do sábado.
Agora, eram três horas da madrugada, ele estava ali, com sono, mas sem conseguir dormir. Ligou a TV, apertou a tecla do mute e trocou logo o canal que apresentava um filme pornô. Viu o videoclip “Black or White”, do Michael Jackson, por quinze minutos, voltou ao banheiro, fez a barba e tomou banho.
Quando retornou ao quarto, Mercedes tinha mudado de posição. Seu rosto, sob a frágil luz que vinha do banheiro, transformou-se no rosto de Luísa, no de Rosângela, depois no de Teresa, depois no de Ana Maria e voltou a ser Mercedes. Achando que estava precisando voltar correndo para a psicanalista, deitou-se e, finalmente, conseguiu dormir.
A reunião na Mark and Spencer começou com quarenta e cinco minutos de atraso porque houvera um problema no computador, mas Luiz Felipe não chegou a perceber. Charles Spencer, logo que avisado do defeito na máquina, colocou seu principal assessor na recepção para receber Luiz Felipe e, quando ele chegou, foi encaminhado à sala do Partner in Charge.
Trocaram amabilidades, tomaram café, foram cordiais. A primeira impressão de Luiz Felipe foi de que aquele homenzarrão a sua frente, com um forte sotaque britânico, não teria, mesmo, ligado para Mauro para fazer queixa de sua conduta na reunião anterior. Fora, sem dúvida, ele estava convencido, coisa do Paulo César. E lembrou-se de Ernesto se referindo a certas atitudes do BB maravilha da GLS, como sendo “cousa de veado”.
Pelo telefone Charles Spencer foi avisado de que Teresa e Paulo César já estavam na sala de reunião, esperando. Era o sinal combinado para informar que o problema fora sanado.
Luiz Felipe cumprimentou o Diretor de Artes e surpreendeu-se por ver que ele estava elegantemente vestido, usando um terno escuro, camisa branca e gravata convencional, azul. Estava até parecendo um homenzinho, pensou. Beijou Teresa, tentando descobrir nos seus gestos e no seu olhar com quem ela tinha passado o fim de semana... Foi apresentado a mais dois participantes da reunião e sentou-se.
Charles Spencer falou por cerca de cinco minutos, traçando as linhas gerais do projeto. Foi simples, objetivo, deixando transparecer na medida exata, portanto sem exageros, o que significava a conta da GLS para a agência.
O Diretor de Artes, durante exatos dez minutos, explicou que fora feita uma pesquisa de mercado, e que a idéia da GLS de lançar os “call centers” tinha sido simplesmente genial, que as pessoas que trabalharam no projeto, todas, acreditavam no sucesso da empreitada, enfatizando que “não podemos convencer ninguém de algo de que nós mesmos não estejamos convencidos”. Luiz Felipe considerou banal a observação, já a ouvira muitas vezes.
Teresa, acompanhando o “power point”, detalhou o projeto, foi inteligente ao destacar os pontos importantes, entremeou seu discurso com as piadas certas, no momento certo, esclareceu com brilhantismo uma meia dúzia de dúvidas de Luiz Felipe e encerrou a apresentação convencida de que, uma vez mais, tinha feito um bom trabalho.
Luiz Felipe lembrou-se do desempenho desastroso na outra reunião e resolveu fazer logo o seu comentário:
- Parece-me ótimo. Os senhores estão de parabéns. Como diz o nosso Diretor de Marketing, o Dr. Mauro Cardoso, os senhores fizeram muito bem o dever de casa. Não tenho nenhuma dúvida de que o Comitê de Marketing aprovará, o que também ocorrerá no Comitê Executivo.
Olhou para Teresa ao mencionar o nome de Mauro, mas não notou qualquer reação. De repente, sem saber exatamente porque, concluiu que não estava mais interessado em saber com quem Teresa tinha estado em Angra, no fim de semana. Se tivesse sido com Mauro, do que ele ainda duvidava, tudo bem. Talvez ela pensasse que estivesse valendo tudo para ganhar a conta. Dormir com ele, com Mauro... Sentiu-se um mau caráter ao ter este pensamento e ficou na dúvida se o que estava sentindo mesmo era ciúme da mulher que conhecera há menos de um mês....
Talvez fosse, mas isto não tinha nada a ver com sua carreira na GLS. E se tivesse a ver com a carreira dela na agência, bem, isto era problema dela. Não conseguia esquecer a observação de Mercedes, segundo a qual, seu sucesso na GLS dependia do parecer sobre o projeto. Isto é realmente o que importava. Pelo menos, naquele momento.
Recusou delicadamente o convite para almoçar e começou a despedir-se. Quando cumprimentou Teresa, não resistiu:
- Tentei falar com você no sábado, mas a empregada disse que você tinha ido para Angra...
- É, ela me contou. Era alguma coisa importante ?
- Não, nada...
- Foi o que pensei, porque ela lhe deu o número do telefone de onde eu estava e você não ligou...
Chegou ao escritório e não encontrou Ernesto. A secretária informou que ele estava na Matriz, com Mauro. Telefonou imediatamente e informou a Ernesto que estava chegando da reunião, que tinha gostado muito do projeto e perguntou se ele voltaria antes do almoço, para examinar e aprovar, ou não. Ernesto pediu para esperar um pouco, falou com Mauro, e pediu que ele redigisse o parecer e o enviasse pelo correio eletrônico para o endereço de Mauro.
- Eu estou aqui na sala do Mauro e se você tem condições de enviá-lo em até meia hora, será ótimo, porque nós examinamos juntos . Pode ser ?
Ligou o micro, escreveu quatro páginas, anexou o projeto que Teresa lhe dera em disquete, e enviou.
Olhou para o relógio digital sobre a mesa. Em seis minutos estaria na máquina do Mauro. Ele o receberia no exato momento em que estaria conversando com Ernesto sobre o novo organograma. É o que Luiz Felipe esperava.
Foi ao banheiro, olhou-se no espelho, sentiu-se como César, às margens do Rubicão, disse “alea jacta est” e saiu para almoçar com Guilherme e Rodrigo.
Na reunião executiva do dia seguinte, Ernesto tratou dos assuntos rotineiros da Assistência 24 Horas, discutiu o relatório da área administrativa sobre a redução de custos, estabeleceu alguns novos procedimentos quanto ao acionamento de serviços, mas não tocou no assunto da nova estrutura da GLS Assistência.
Quanto ao projeto da agência, limitou-se a informar o que todos já sabiam, ou seja que ele tinha aprovado o parecer favorável de Luiz Felipe e o processo, também aprovado pelo Comitê de Marketing, já tinha subido ao Comitê Executivo.
Passaram-se duas semanas e não houve qualquer outra informação.
No vigésimo dia depois que Ernesto comunicara que o projeto tinha subido ao Comitê Executivo, ele convocou uma reunião extraordinária, para as onze horas de uma quarta-feira.
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Capítulo 32 - Publicação prevista para 15/1
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