026 - em 26/12/08
027 - em 28/12/08
028 - em 2/1/09
(foto: noite de autógrafos, setembro 1999)
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Entrou no carro, confiando que seu encontro com Luiz Felipe, que realmente começara na noite de autógrafos, mas terminara em outro lugar e em outras circunstâncias, fosse a garantia de que ele aprovaria o projeto.
Começou, então a lembrar-se de como tudo acontecera... A noite de autógrafos, o restaurante...
Depois, o convite meio hesitante, meio tímido, para subir ao seu apartamento. Fora realmente um assédio sexual, não, não fora assédio, fora um agradável e charmoso jogo de sedução, ao qual ela podia, mas não quis resistir.
Era este homem, que parecia entender tudo sobre vinhos franceses, e a quem dissera, através de uma mensagem eletrônica, que gostara e queria repetir o programa, que ia decidir o seu futuro, facilitar, ou impossibilitar sua participação como sócia na Mark and Spencer.
Quando pensou nisto, assustou-se um pouco com uma idéia absurda. Será que fora ela quem o seduzira, tentando receber, em troca de favores sexuais, a aprovação do projeto ? Riu sozinha, quando percebeu que tirara lá do fundo do baú de sua avó os tais favores sexuais...
Luiz Felipe acordou cedo no sábado e foi andar na praia. Sentia-se perdido. Haviam se passado dez dias desde sua longa conversa com Mauro. Na reunião executiva da terça-feira, Ernesto não dissera coisa alguma sobre as indicações de Guilherme e Rodrigo, não voltara a falar sobre a visita às plataformas de Paris e Londres. A única menção às novas plataformas ficara por conta do projeto da agência. Luiz Felipe limitara-se a informar a data da reunião mas não fez qualquer comentário sobre a ansiedade que percebera em Mauro em ver o projeto aprovado.
Caminhou mais do que o habitual, tomou água de coco e decidiu voltar para casa. Ao entrar no carro, percebeu que estava perto da casa de Mercedes e resolveu visitá-la.
Ele sempre a procurava quando precisava conversar, porque suas observações vinham sempre acompanhadas de um extremo bom senso.
Fora assim quando ele, certamente por causa de algum resquício da depressão, fizera aquela bobagem de pedir-lhe ajuda na escolha da namorada. Antes, ela também comentara com muita sensatez que o que ele precisava para ter uma casa arrumada e o café feito, pela manhã, não era de uma mulher, mas de uma empregada. Luiz Felipe ainda estava convencido de que Mercedes era a grande amiga, irmã de fé, camarada.
Telefonou pelo celular e perguntou se Mercedes podia recebê-lo.
Entrou pedindo desculpas pelo suor e Mercedes perguntou se ele queria tomar banho. Disse que não, quase achando um absurdo, ela perguntou “por que não?”, ele não soube responder e aceitou.
Entrou no chuveiro e, com a mesma expressão com que namorara o painel do BMW de Teresa, encantou-se com a limpeza do banheiro, com as toalhas certas no lugar certo. Não havia meias, nem cuecas, ou sutiãs, ou calcinhas penduradas nas torneiras e, imagine, tinha papel higiênico onde devia ter... Não adiantava apenas ter uma empregada, filosofou. Isso, ele tinha. Eram necessárias uma empregada e uma mulher para dirigir a empregada.
Saiu do chuveiro, enxugou-se e, quando imaginou que ia ter de vestir a mesmo roupa com que caminhara, Mercedes bateu na porta. Ele se enrolou na toalha, abriu a porta e Mercedes deu-lhe uma cueca, uma bermuda e uma camiseta. Saiu do banheiro e foi para a sala. Mercedes o esperava com uma dose de uísque e biscoitos salgados sobre a mesa de centro. Luiz Felipe admirou-se porque os biscoitos não estavam moles. Sentou-se e estava olhando para a bermuda.
Mercedes percebeu, riu, e informou que o único homem da casa, por enquanto, era seu filho Ricardo, de quem eram a camiseta, a bermuda e a cueca. Luiz Felipe disse que não tinha perguntado nada...
Beberam e conversaram. Luiz Felipe contou os últimos acontecimentos, tentando passar todos os detalhes de que se lembrava, e se lembrava de todos, e explicou a preocupação com seu futuro na empresa.
Mercedes ouviu atentamente.
- Luiz Felipe, é óbvio que este Mauro está esperando você dar o parecer sobre o projeto para decidir o que você vai ser na nova estrutura. Você diz que ele parece querer que esta agência ganhe o projeto e que ele queria que o assunto fosse examinado pelo Departamento dele... e por quê ? Porque um funcionário qualquer, sob a chefia dele, ia aprovar e pronto. Mas o Ernesto tomou o projeto para ele e entregou a você a decisão. Atrapalhou os planos do Mauro, não é ?
Luiz Felipe ficou pensando... planos do Mauro... que planos ? Mauro tinha planos ? Sim, ele lembrava, Mauro dissera que tinha mais problemas do que ele podia imaginar na GLS. E os planos, se existiam, eram para resolver os problemas ? Mas que problemas ?
Mercedes continuou didaticamente. Parecia que estava no Tribunal do Júri. - Então, ele faz um teatrinho com você, deixa você ver que existe um organograma mas não mostra, informa quem vai ficar com as novas plataformas e quanto a você, não diz nada. Aí ataca com o assunto do projeto, reclama que você foi grosseiro com a mulher da agência e encerra a reunião. O que eu acho, Luiz Felipe, é que se você aprovar o projeto, fica muito bem e, de repente, ainda vai passar quinze dias na Europa. Mas se rejeitar...
Luiz Felipe lembrou-se de Selma Osborne com sua história dos quatro bilhões de neurônios e estava começando a achar que realmente não faziam falta alguma. Pelo menos em Mercedes.
- Faz sentido, Mercedes. Mas por que o Mauro faz tanta questão de que a Mark and Spencer fique com a conta ? Ela não é uma agência de primeira linha, ou seja, não acrescenta nada à GLS ter a Mark and Spencer como sua agência de publicidade.
De repente, achou que estava abusando da amiga. Tudo bem que ela tivesse sido, desde quando se encontraram na festa de seu irmão, a companheira, a ouvinte, a conselheira eficiente e eficaz. Ele até achava que a cura de sua depressão também passava por ela... mas, agora, afinal, ir a sua casa, num sábado de manhã, para falar de trabalho, mais ainda, para colocar seus temores, suas dúvidas...
- Deixa para lá, Mercedes. Depois de amanhã vou estar na agência para conhecer o novo projeto. Talvez eu consiga almoçar com Teresa e saber alguma coisa mais.
Mercedes, ao contrário do que Luiz Felipe pensava, não estava entediada com o assunto, porque ainda comentou:
- Por que você não fala com a Teresa antes da reunião ? Ela deve ter outras informações, lá de dentro da agência. Você não confia nela ?
Luiz Felipe pensou no encontro com Teresa, na mensagem no micro, insinuando que queria voltar. Será que, ao ir para a cama com ele, estava negociando sua aprovação do projeto ? Não, Teresa não seria capaz disso. Ou seria ?
Mercedes viu que ele demorou a responder e insistiu:
- Você não confia nela ?
- Confiar ? Não sei, Mercedes... a Teresa precisa muito que o projeto seja aprovado. Ela tem chance de chegar a sócia. Como eu lhe falei, a agência tem a conta da indústria do pai dela e é por isso que ela entrou como estagiária há muito tempo. Ou seja, já tem algum prestigio lá. Se, agora, consegue a conta, ou pelo menos, este primeiro projeto da GLS.... Se ela sabe de alguma coisa que pode atrapalhar a obtenção da conta, é claro que não vai me contar.
- Mesmo assim, se eu fosse você, falava com ela antes da reunião. Sabe por que ? Porque, pelo que você contou, você e ela, por razões diferentes, é claro, têm interesse em que esta conta vá para a agência dela. Ou eu estou errada ?
De repente, Luiz Felipe lembrou-se de Paulo César.
- Mercedes, você lembra a primeira vez em que saímos juntos, na festa de aniversário de uma colega sua ? Entre os seus colegas do Tribunal havia um cara esquisito, usando suspensórios e uma gravata borboleta, que conversou comigo e me convidou para ir na casa dele para ver uma reprodução de hieróglifos... ele disse que era professor de História Egípcia e pode até ser. Pois bem, essa figura estranha é o Diretor de Artes da agência.
Mercedes lembrava, mas não sabia quem era Paulo César. Poderia telefonar para Fabiana, a aniversariante, e tentar obter a informação.
- Se é que esse tal de Paulo César era convidado da Fabiana. Nas reuniões na casa dela, é um tal de um levar outro que é bem capaz dela nem saber quem é... Vou ligar para ela e logo que souber alguma coisa, aviso.
Luiz Felipe disse que seria ótimo. Mas, agora, tinha decidido mesmo encerrar o assunto. Agradeceu o banho, o uísque, os conselhos e levantou-se para sair. Mercedes convidou-o para almoçar, dizendo que a mãe estava vindo.
Luiz Felipe olhou para a camiseta com o logotipo da principal concorrente da GLS.
- Sua mãe ? Não dá, Mercedes, olha para mim...
- O que é que você tem contra as roupas de meu filho? Se é por causa da camiseta, eu dou outra. Só não tem com o logotipo da GLS porque você não me deu...
- Não é isso, Mercedes. O que sua mãe vai pensar, me vendo aqui, a essa hora, com as roupas do Ricardo ?
Mercedes sorriu, já começando a sentir o efeito da terceira dose de uísque:
- Se bem conheço minha mãe, ela vai achar que você dormiu aqui, que nós temos um caso e... vai ficar muito feliz...
Certamente Dona Esmeraldina, a mãe de Mercedes, ficaria muito feliz. Quando a filha se separou, ela disse que tinha sido um golpe em sua vida mais forte do que a perda do marido, que acontecera há muitos anos. Seus conceitos religiosos, muito profundos e arraigados, não deixavam que ela entendesse que um casamento podia ser desfeito, sem que o Sagrado Coração de Jesus sangrasse por causa disso.
Mercedes foi em frente, voltou à Universidade, fez curso de pós-graduação, rearrumou sua vida. Não quis se relacionar com ninguém, porque não queria se desviar de seu objetivo. Namorou, por muito pouco tempo, um ex-colega da Faculdade. Passaram alguns fins de semana juntos, na casa dos pais do rapaz, em Búzios, mas o relacionamento terminou tão frio quanto começou.
Dedicou-se ao trabalho, não porque estivesse fugindo da solidão, mas porque se empolgou mesmo pelo que fazia. Não desperdiçou a primeira oportunidade que surgiu: fez concurso, foi aprovada em primeiro lugar, e foi nomeada Defensora Pública, a primeira mulher a ocupar o cargo.
Dona Esmeraldina, feliz com o sucesso da filha, esqueceu, ou não levou tão a sério, os tais princípios religiosos a ponto de achar que a filha só poderia casar outra vez, se ficasse viúva. Achava que para completar a rearrumação de sua vida, Mercedes deveria casar. Por isso, foi a primeira a incentivar o namoro, chegando até mesmo a organizar reuniões em que tentava aproximá-la de filhos de suas amigas, solteiros, divorciados... disponíveis, como dizia.
Quando Dona Esmeraldina chegasse para o almoço e visse Luiz Felipe em sua casa, com as roupas do seu neto, ia, efetivamente, concluir que Mercedes tinha, finalmente, pela segunda vez, encontrado sua metade da laranja e ia, realmente, sentir-se muito feliz.
Mercedes começou a pensar se ela também estaria feliz, se isto tivesse acontecido. Ela fora colega de Luiz Felipe na Faculdade, tinham até ensaiado um começo de namoro. Mas ela achava que Luiz Felipe, nem sempre, mas às vezes, era extremamente chato, o próprio advogado metido a intelectual. E muito machista, porque quando ela se separou, afastou-se totalmente.
Mas isto era coisa do passado. O presente, ou, pelo menos, o passado recente, era um Luiz Felipe diferente. Na época, ele estava ainda num final de depressão, mas, Mercedes pensou, por incrível que pareça, a depressão parece que lhe tinha feito algum bem. E agora não estava nada deprimido, parecia até o contrário, excitado, ansioso por sua situação na GLS e ela o estava achando uma companhia muito agradável, ainda que, no momento, estivesse um pouco confuso, por causa de seus problemas na empresa.
Mercedes pensou em perguntar sobre o tal concurso das namoradas, cujo resultado ele não tinha comunicado. Mas percebeu que o que estava mesmo querendo saber é se ele estava com alguém. E achou que não devia.
Luiz Felipe também estava divagando. A conversa era sobre crianças, mas ele estava com a cabeça em outro lugar. Ali, diante de Mercedes, com as roupas de seu filho, depois de ter tomado banho em seu banheiro, ele estava sentindo, pela primeira vez, o que não sentira na casa de Rosângela, nem de Ana Maria: a sensação de estar numa casa. E não sabia se estava querendo construir uma nova vida.
A mãe de Mercedes chegou e efetivamente achou que Luiz Felipe tinha dormido no apartamento, mas não pareceu muito feliz. Mais tarde, diria que ela estava arranjando encrenca ao se juntar com um sujeito de quase cinqüenta anos, esquecendo-se da idade de sua filha...
_____________________________________________________________________ Capítulo 030 - Prevista a publicação para 8/1
Começou, então a lembrar-se de como tudo acontecera... A noite de autógrafos, o restaurante...
Depois, o convite meio hesitante, meio tímido, para subir ao seu apartamento. Fora realmente um assédio sexual, não, não fora assédio, fora um agradável e charmoso jogo de sedução, ao qual ela podia, mas não quis resistir.
Era este homem, que parecia entender tudo sobre vinhos franceses, e a quem dissera, através de uma mensagem eletrônica, que gostara e queria repetir o programa, que ia decidir o seu futuro, facilitar, ou impossibilitar sua participação como sócia na Mark and Spencer.
Quando pensou nisto, assustou-se um pouco com uma idéia absurda. Será que fora ela quem o seduzira, tentando receber, em troca de favores sexuais, a aprovação do projeto ? Riu sozinha, quando percebeu que tirara lá do fundo do baú de sua avó os tais favores sexuais...
Luiz Felipe acordou cedo no sábado e foi andar na praia. Sentia-se perdido. Haviam se passado dez dias desde sua longa conversa com Mauro. Na reunião executiva da terça-feira, Ernesto não dissera coisa alguma sobre as indicações de Guilherme e Rodrigo, não voltara a falar sobre a visita às plataformas de Paris e Londres. A única menção às novas plataformas ficara por conta do projeto da agência. Luiz Felipe limitara-se a informar a data da reunião mas não fez qualquer comentário sobre a ansiedade que percebera em Mauro em ver o projeto aprovado.
Caminhou mais do que o habitual, tomou água de coco e decidiu voltar para casa. Ao entrar no carro, percebeu que estava perto da casa de Mercedes e resolveu visitá-la.
Ele sempre a procurava quando precisava conversar, porque suas observações vinham sempre acompanhadas de um extremo bom senso.
Fora assim quando ele, certamente por causa de algum resquício da depressão, fizera aquela bobagem de pedir-lhe ajuda na escolha da namorada. Antes, ela também comentara com muita sensatez que o que ele precisava para ter uma casa arrumada e o café feito, pela manhã, não era de uma mulher, mas de uma empregada. Luiz Felipe ainda estava convencido de que Mercedes era a grande amiga, irmã de fé, camarada.
Telefonou pelo celular e perguntou se Mercedes podia recebê-lo.
Entrou pedindo desculpas pelo suor e Mercedes perguntou se ele queria tomar banho. Disse que não, quase achando um absurdo, ela perguntou “por que não?”, ele não soube responder e aceitou.
Entrou no chuveiro e, com a mesma expressão com que namorara o painel do BMW de Teresa, encantou-se com a limpeza do banheiro, com as toalhas certas no lugar certo. Não havia meias, nem cuecas, ou sutiãs, ou calcinhas penduradas nas torneiras e, imagine, tinha papel higiênico onde devia ter... Não adiantava apenas ter uma empregada, filosofou. Isso, ele tinha. Eram necessárias uma empregada e uma mulher para dirigir a empregada.
Saiu do chuveiro, enxugou-se e, quando imaginou que ia ter de vestir a mesmo roupa com que caminhara, Mercedes bateu na porta. Ele se enrolou na toalha, abriu a porta e Mercedes deu-lhe uma cueca, uma bermuda e uma camiseta. Saiu do banheiro e foi para a sala. Mercedes o esperava com uma dose de uísque e biscoitos salgados sobre a mesa de centro. Luiz Felipe admirou-se porque os biscoitos não estavam moles. Sentou-se e estava olhando para a bermuda.
Mercedes percebeu, riu, e informou que o único homem da casa, por enquanto, era seu filho Ricardo, de quem eram a camiseta, a bermuda e a cueca. Luiz Felipe disse que não tinha perguntado nada...
Beberam e conversaram. Luiz Felipe contou os últimos acontecimentos, tentando passar todos os detalhes de que se lembrava, e se lembrava de todos, e explicou a preocupação com seu futuro na empresa.
Mercedes ouviu atentamente.
- Luiz Felipe, é óbvio que este Mauro está esperando você dar o parecer sobre o projeto para decidir o que você vai ser na nova estrutura. Você diz que ele parece querer que esta agência ganhe o projeto e que ele queria que o assunto fosse examinado pelo Departamento dele... e por quê ? Porque um funcionário qualquer, sob a chefia dele, ia aprovar e pronto. Mas o Ernesto tomou o projeto para ele e entregou a você a decisão. Atrapalhou os planos do Mauro, não é ?
Luiz Felipe ficou pensando... planos do Mauro... que planos ? Mauro tinha planos ? Sim, ele lembrava, Mauro dissera que tinha mais problemas do que ele podia imaginar na GLS. E os planos, se existiam, eram para resolver os problemas ? Mas que problemas ?
Mercedes continuou didaticamente. Parecia que estava no Tribunal do Júri. - Então, ele faz um teatrinho com você, deixa você ver que existe um organograma mas não mostra, informa quem vai ficar com as novas plataformas e quanto a você, não diz nada. Aí ataca com o assunto do projeto, reclama que você foi grosseiro com a mulher da agência e encerra a reunião. O que eu acho, Luiz Felipe, é que se você aprovar o projeto, fica muito bem e, de repente, ainda vai passar quinze dias na Europa. Mas se rejeitar...
Luiz Felipe lembrou-se de Selma Osborne com sua história dos quatro bilhões de neurônios e estava começando a achar que realmente não faziam falta alguma. Pelo menos em Mercedes.
- Faz sentido, Mercedes. Mas por que o Mauro faz tanta questão de que a Mark and Spencer fique com a conta ? Ela não é uma agência de primeira linha, ou seja, não acrescenta nada à GLS ter a Mark and Spencer como sua agência de publicidade.
De repente, achou que estava abusando da amiga. Tudo bem que ela tivesse sido, desde quando se encontraram na festa de seu irmão, a companheira, a ouvinte, a conselheira eficiente e eficaz. Ele até achava que a cura de sua depressão também passava por ela... mas, agora, afinal, ir a sua casa, num sábado de manhã, para falar de trabalho, mais ainda, para colocar seus temores, suas dúvidas...
- Deixa para lá, Mercedes. Depois de amanhã vou estar na agência para conhecer o novo projeto. Talvez eu consiga almoçar com Teresa e saber alguma coisa mais.
Mercedes, ao contrário do que Luiz Felipe pensava, não estava entediada com o assunto, porque ainda comentou:
- Por que você não fala com a Teresa antes da reunião ? Ela deve ter outras informações, lá de dentro da agência. Você não confia nela ?
Luiz Felipe pensou no encontro com Teresa, na mensagem no micro, insinuando que queria voltar. Será que, ao ir para a cama com ele, estava negociando sua aprovação do projeto ? Não, Teresa não seria capaz disso. Ou seria ?
Mercedes viu que ele demorou a responder e insistiu:
- Você não confia nela ?
- Confiar ? Não sei, Mercedes... a Teresa precisa muito que o projeto seja aprovado. Ela tem chance de chegar a sócia. Como eu lhe falei, a agência tem a conta da indústria do pai dela e é por isso que ela entrou como estagiária há muito tempo. Ou seja, já tem algum prestigio lá. Se, agora, consegue a conta, ou pelo menos, este primeiro projeto da GLS.... Se ela sabe de alguma coisa que pode atrapalhar a obtenção da conta, é claro que não vai me contar.
- Mesmo assim, se eu fosse você, falava com ela antes da reunião. Sabe por que ? Porque, pelo que você contou, você e ela, por razões diferentes, é claro, têm interesse em que esta conta vá para a agência dela. Ou eu estou errada ?
De repente, Luiz Felipe lembrou-se de Paulo César.
- Mercedes, você lembra a primeira vez em que saímos juntos, na festa de aniversário de uma colega sua ? Entre os seus colegas do Tribunal havia um cara esquisito, usando suspensórios e uma gravata borboleta, que conversou comigo e me convidou para ir na casa dele para ver uma reprodução de hieróglifos... ele disse que era professor de História Egípcia e pode até ser. Pois bem, essa figura estranha é o Diretor de Artes da agência.
Mercedes lembrava, mas não sabia quem era Paulo César. Poderia telefonar para Fabiana, a aniversariante, e tentar obter a informação.
- Se é que esse tal de Paulo César era convidado da Fabiana. Nas reuniões na casa dela, é um tal de um levar outro que é bem capaz dela nem saber quem é... Vou ligar para ela e logo que souber alguma coisa, aviso.
Luiz Felipe disse que seria ótimo. Mas, agora, tinha decidido mesmo encerrar o assunto. Agradeceu o banho, o uísque, os conselhos e levantou-se para sair. Mercedes convidou-o para almoçar, dizendo que a mãe estava vindo.
Luiz Felipe olhou para a camiseta com o logotipo da principal concorrente da GLS.
- Sua mãe ? Não dá, Mercedes, olha para mim...
- O que é que você tem contra as roupas de meu filho? Se é por causa da camiseta, eu dou outra. Só não tem com o logotipo da GLS porque você não me deu...
- Não é isso, Mercedes. O que sua mãe vai pensar, me vendo aqui, a essa hora, com as roupas do Ricardo ?
Mercedes sorriu, já começando a sentir o efeito da terceira dose de uísque:
- Se bem conheço minha mãe, ela vai achar que você dormiu aqui, que nós temos um caso e... vai ficar muito feliz...
Certamente Dona Esmeraldina, a mãe de Mercedes, ficaria muito feliz. Quando a filha se separou, ela disse que tinha sido um golpe em sua vida mais forte do que a perda do marido, que acontecera há muitos anos. Seus conceitos religiosos, muito profundos e arraigados, não deixavam que ela entendesse que um casamento podia ser desfeito, sem que o Sagrado Coração de Jesus sangrasse por causa disso.
Mercedes foi em frente, voltou à Universidade, fez curso de pós-graduação, rearrumou sua vida. Não quis se relacionar com ninguém, porque não queria se desviar de seu objetivo. Namorou, por muito pouco tempo, um ex-colega da Faculdade. Passaram alguns fins de semana juntos, na casa dos pais do rapaz, em Búzios, mas o relacionamento terminou tão frio quanto começou.
Dedicou-se ao trabalho, não porque estivesse fugindo da solidão, mas porque se empolgou mesmo pelo que fazia. Não desperdiçou a primeira oportunidade que surgiu: fez concurso, foi aprovada em primeiro lugar, e foi nomeada Defensora Pública, a primeira mulher a ocupar o cargo.
Dona Esmeraldina, feliz com o sucesso da filha, esqueceu, ou não levou tão a sério, os tais princípios religiosos a ponto de achar que a filha só poderia casar outra vez, se ficasse viúva. Achava que para completar a rearrumação de sua vida, Mercedes deveria casar. Por isso, foi a primeira a incentivar o namoro, chegando até mesmo a organizar reuniões em que tentava aproximá-la de filhos de suas amigas, solteiros, divorciados... disponíveis, como dizia.
Quando Dona Esmeraldina chegasse para o almoço e visse Luiz Felipe em sua casa, com as roupas do seu neto, ia, efetivamente, concluir que Mercedes tinha, finalmente, pela segunda vez, encontrado sua metade da laranja e ia, realmente, sentir-se muito feliz.
Mercedes começou a pensar se ela também estaria feliz, se isto tivesse acontecido. Ela fora colega de Luiz Felipe na Faculdade, tinham até ensaiado um começo de namoro. Mas ela achava que Luiz Felipe, nem sempre, mas às vezes, era extremamente chato, o próprio advogado metido a intelectual. E muito machista, porque quando ela se separou, afastou-se totalmente.
Mas isto era coisa do passado. O presente, ou, pelo menos, o passado recente, era um Luiz Felipe diferente. Na época, ele estava ainda num final de depressão, mas, Mercedes pensou, por incrível que pareça, a depressão parece que lhe tinha feito algum bem. E agora não estava nada deprimido, parecia até o contrário, excitado, ansioso por sua situação na GLS e ela o estava achando uma companhia muito agradável, ainda que, no momento, estivesse um pouco confuso, por causa de seus problemas na empresa.
Mercedes pensou em perguntar sobre o tal concurso das namoradas, cujo resultado ele não tinha comunicado. Mas percebeu que o que estava mesmo querendo saber é se ele estava com alguém. E achou que não devia.
Luiz Felipe também estava divagando. A conversa era sobre crianças, mas ele estava com a cabeça em outro lugar. Ali, diante de Mercedes, com as roupas de seu filho, depois de ter tomado banho em seu banheiro, ele estava sentindo, pela primeira vez, o que não sentira na casa de Rosângela, nem de Ana Maria: a sensação de estar numa casa. E não sabia se estava querendo construir uma nova vida.
A mãe de Mercedes chegou e efetivamente achou que Luiz Felipe tinha dormido no apartamento, mas não pareceu muito feliz. Mais tarde, diria que ela estava arranjando encrenca ao se juntar com um sujeito de quase cinqüenta anos, esquecendo-se da idade de sua filha...
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