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A reunião na Mark and Spencer estava marcada para segunda-feira, pela manhã. Na sexta-feira à noite, Charles Spencer chamou Teresa, o Diretor de Artes, Paulo César, e outros dois membros da equipe responsável pelo projeto GLS. Ele queria ver detalhadamente todo o material e preparar o encontro com Luiz Felipe de forma a se evitar qualquer surpresa de última ou penúltima hora. Até mesmo Floriano, o revisor que fora severamente advertido por causa do atraso com zê, estava presente.
Passaram duas horas inteiras lendo, relendo, repassando a demonstração no “power point”, alteraram duas ou três frases, modificaram algumas ilustrações, ensaiaram o discurso de Teresa e de Paulo César, cronometraram seus tempos de exposição. Às nove horas, consideraram que estava tudo bem e que ainda havia o sábado e o domingo, se alguém tivesse alguma idéia brilhante para acrescentar.
Mas a reunião ainda não terminara.
Charles Spencer pediu que todos permanecessem mais meia hora e fez, uma vez mais, um relato sobre a importância da conta para a agência, acrescentando novas informações.
- Vou ser repetitivo para ver se vocês se convencem de uma vez por todas. A GLS é a terceira Seguradora do país. Detém mais de onze por cento do faturamento de prêmios de seguros. Sei que eles estão em fase final de um acordo com um grupo japonês, o que vai significar uma entrada de mais de quinhentos milhões de dólares. Vão criar uma nova Seguradora, associada aos japoneses, e vão atacar violentamente a área de pessoas. ou seja, seguros de vida e de saúde. Vejam bem: um ataque violento ao mercado, certamente no estilo japonês... a verba que vão destinar para a publicidade é mais do que eles já investiram nos últimos três anos. A meta é subir no “ranking” e alcançar o percentual de quinze por cento nos próximos cinco anos e assumir a liderança.
Esperou um pouco, observando a reação de seus ouvintes.
Teresa percebeu imediatamente o que tinha nas mãos... seu projetinho, agora ela chamava de projetinho..., era mesmo um projetinho diante do que podia vir, ou seja, não era somente, como pensava antes de entrar naquela reunião, a obtenção da conta da GLS... era a obtenção da conta no momento em que ela assumia proporções gigantescas.
Fazendo cálculos de cabeça, no que era muito boa, concluiu que podia significar um aumento de mais de duas vezes no faturamento da agência. Mas o projetinho era o ponto chave da questão. Tudo o mais viria, ou não viria, dependendo do sucesso ou do fracasso de seu projetinho.
Paulo César, por razões que só ele conhecia e que não contaria para ninguém, estava muito contente mas, estranhamente, conseguiu manter-se discreto, quase alheio ao que se passava em volta.
Floriano estava traumatizado pelo seu cochilo anterior e, embora todos ali presentes já tivessem revisado o texto, examinando cada vírgula, tinha decidido passar o fim de semana fazendo tudo outra vez. E, vendo uma frase que tinha a sua frente, ficou na dúvida... o verbo gostar deveria se manter transitivo indireto, ao anteceder uma oração ? “Você gostaria que isto acontecesse” ou “Você gostaria de que isto acontecesse” ? Certamente, o revisor ortográfico do micro não lhe prestaria esta informação, mas ele a buscaria na velha gramática que ficava sobre sua mesa.
Charles Spencer prosseguiu e parecia que tinha adivinhado os pensamentos de Teresa:
- Vocês percebem o que podemos ganhar com estes investimentos da GLS ? Pelas minhas contas, nosso faturamento nos próximos três anos pode mais do que dobrar. Sem contar os ganhos indiretos, ou seja, o prestígio que vai significar na busca de novos clientes. Por isso, esta reunião de segunda-feira é muito importante. E não estou apenas me referindo ao que vamos apresentar, o que me parece, está muito bom.
Charles Spencer olhou para Paulo César:
- O mais importante é nosso comportamento com o Luiz Felipe. Vou explicar.
Falou sobre a aproximação com a GLS, mencionando o relacionamento de Paulo César com Mauro Cardoso. Disse que graças a esta aproximação, que começara nas campos de golfe, ele tinha tido a oportunidade de encontrar-se com o Diretor de Marketing e apresentar sua agência. Não pretendia nada mais do que a possibilidade de pegar um pedacinho da conta, eventualmente, até mesmo, apenas, ficar responsável por alguns folhetos que a GLS imprimia regularmente. Mas seu entrosamento com Mauro tinha sido muito bom e ele fora convidado para participar da concorrência para a escolha da agência que ficaria encarregada do projeto das novas plataformas.
- Não é propriamente uma concorrência. Para campanhas específicas, qualquer executivo da GLS pode indicar uma agência. O Departamento de Marketing contata, fixa o orçamento, estabelece o cronograma e, ao final, examina os projetos, dá o parecer e indica a agência vencedora. Se a verba destinada ao projeto específico estiver dentro de determinado valor, a indicação vai ao Comitê de Marketing que volta a examinar, pode sugerir modificações, até tomar uma decisão final. No caso da verba ultrapassar o valor estabelecido, e este é o nosso caso, a indicação também passa pelo Comitê de Marketing, mas, se for aprovado o projeto, ele sobe ao Comitê Executivo. Este Comitê, formado pelo Vice-Presidente, por Diretores e alguns convidados de outras áreas, não discute o projeto, no sentido de sugerir modificações, alterações etc. Ele aprova ou não aprova.
Charles Spencer dirigiu-se a Paulo César, que ainda parecia profundamente entediado.
- É isso, Paulo César, você que é o parceiro de golfe do Mauro ?
Paulo César confirmou a exposição de Charles, acrescentando que, no caso em tela - ele sempre dizia “no caso em tela” - houvera apenas uma indicação, o que significava que o tal Comitê não tinha com o quê comparar, mas o que também não significava que o projeto estava automaticamente aprovado. Arrependeu-se na mesma hora por ter sido tão óbvio.
Charles Spencer falou sobre a exceção que estava ocorrendo na rotina da GLS.
- No caso em tela, como diz nosso Diretor de Artes, não se trata do projeto de uma nova modalidade de contratação de seguro automóvel, por exemplo, mas de um projeto que dá continuidade numa atividade fora do seguro, ou seja, é uma extensão da Assistência 24 Horas, em que a GLS foi pioneira. Por isso, esta fase inicial não está sendo tratada por ninguém do Departamento de Marketing. O Diretor da Assistência 24 Horas, o Ernesto Fialho, quis ficar com o projeto e o Mauro concordou. O Ernesto indicou o Luiz Felipe, que não é do Departamento de Marketing, nem Diretor de coisa alguma e foi indicado porque é o homem de absoluta confiança do Ernesto e, parece, gosta de escrever, foi professor de português...
Pensou um pouco, antes de continuar:
- Bem, o Mauro quer que nós fiquemos com a conta. Mas não quer, ou não pode, impor coisa alguma no tal Comitê Executivo. Vai ter que explicar, justificar. Nenhuma explicação pode sequer começar sem que haja o parecer favorável do Ernesto Fialho, que, por sua vez, ratificará integralmente, sem tirar uma vírgula, o que o Luiz Felipe disser.
Fez uma pausa e olhou para Teresa e Paulo César:
- Dá para entender a importância desse Luiz Felipe ?
Teresa percebeu a importância de Luiz Felipe e, muito mais, a importância de seu encontro com Luiz Felipe e já estava se arrependendo por ter deixado a mensagem tão comprometedora no micro...
Charles Spencer olhou para o relógio e viu que seu pedido de mais meia hora já tinha se esgotado há quarenta e cinco minutos. Não parecia preocupado, mas, como era extremamente educado, pediu desculpas por estar atrapalhando o tradicional programa de sextas-feiras, e disse que terminariam em quinze minutos.
Agora, dirigiu-se a Teresa, perguntando diretamente:
- O problema é o seguinte: o Luiz Felipe está tendo e vai continuar a ter um comportamento profissional ou quer, sei lá por que razão, derrubar o nosso projeto ?
Teresa sabia que não podia hesitar nem um segundo e não hesitou:
- Charles, nosso encontro na GLS, realmente, não foi dos mais cordiais. Mas, tenho de admitir, e o Paulo César que estava comigo também concorda, nós não fomos muito felizes ao levar um texto com erros de português. Esse Luiz Felipe, pelo que eu soube, não só foi professor de português, no começo de sua vida profissional, como é muito ligado nestas coisas de língua. Ele escreve uma coluna no jornal interno da GLS onde trata de erros de português. Em suma, nós fomos errar justamente com quem considera erros de português um pecado mortal, um crime hediondo... não é exagero, é isso mesmo.
Sentiu que estava excitada.
- Ele tinha motivos para criticar. Vocês já estão cansados de ouvir a história do atraso. Ele não inventou nada, simplesmente se aproveitou de uma falha e tentou fazer um pequeno carnaval. Isto, tenho certeza, é coisa do passado, não acontecerá outra vez.
Pensou se deveria comentar seu encontro com Luiz Felipe, mas muito rapidamente decidiu que sim. Certamente mentiria. Mas só um pouco...
- Eu já estive com Luiz Felipe depois desta reunião e conversamos sobre isso.
Charles Spencer, muito atento, perguntou se o segundo encontro fora na GLS ou na agência, e se Paulo César estivera presente.
- Não, Charles, não foi um encontro profissional. Foi no lançamento do livro de poesias do Renato Mendonça que, como você sabe, nós publicamos e estamos divulgando. Conversamos muito e posso garantir que não haverá qualquer outro problema, desde é claro, que nós não apareçamos lá com alguma aberração de linguagem...
Charles Spencer pareceu satisfeito, tranqüilo com a explicação de Teresa. Falaram mais um pouco, Charles desculpou-se outra vez pelo adiantado da hora, desejou um bom fim de semana a todos e encerrou a reunião.
Paulo César comentou com Teresa:
- Minha querida, seu arzinho de felicidade quando falou do Luiz Felipe... um arzinho que ainda está em seu rosto... não sei não... mas acho que vocês fizeram algo mais do que conversar... acho que você já comprovou o que eu lhe falei sobre o pavão...
- Que idéia, Paulo César... que idéia...
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Capítulo 029 - Prevista a publicação para 04/01
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