domingo, 29 de março de 2009

Eu Quero Ficar Só - Roberto Argento


Aos 25 anos do jogo minha mulher me mostrou o cartão vermelho. Com 48 anos nas costas, decidi pendurar as chuteiras. Mas a decisão durou menos de seis meses e voltei aos campos. O jogo, desta vez, durou menos, recebi o cartão vermelho aos 18 anos. Aí, com 66 anos de idade, tomei a sábia decisão de parar de jogar.
Fui morar sozinho.
Um amigo, também afastado dos campos, me desanimou:
- Nem pense. Coloque uma empregada. Você vai lavar banheiro, cozinha, passar roupa, fazer a comida ? Nem tente !
Não pensei e não tentei.
Uma vizinha me indicou uma moça de 29 anos. Um amigo que jantava na minha casa pelo menos duas vezes por mês observou que se a Carolina (Carolina é nome de empregada ?) tomasse um banho de TV Globo – roupas, cabelo, maquiage – ficava a cara e o corpo da Juliana Paes.
Ficou comigo um ano e meio. Também me deu o cartão vermelho, quer dizer, pediu demissão. Acho que foi por causa de uma observação que fiz sobre o calor. Tinha comprado um aparelho de ar condicionado para meu quarto e a Carolina, com carinha de Juliana Paes, me pediu:
- Puxa, o senhor vai dormir no bem bom... e eu ? Compra um ventilador pra mim.
- Bobagem, Juliana, quer dizer, Carolina, você passa a dormir comigo.
Será que foi esta a causa ?
Não, acho que não, ela não gostava de ar condicionado, queria um ventilador.
Meu amigo, outra vez:
- Cara, você não acha que tá muito velho prá ficar cantando meninas de 29 anos ?
A mesma vizinha fez outra indicação. (Acho que ela tinha uma agência de empregos).
A moça chamava-se Maria (isso, sim, é nome de empregada) tinha recém chegado do Maranhão e eu só entendia as duas últimas palavras de cada frase: Num sabe ?
Maria não sabia cozinhar, num sabe ? Um dia pedi para ela fazer um bolo de aipim e ela grunhiu alguma coisa e entendi que ela não sabia o que era aipim. Lembrei então que lá pelo nordeste aipim era macaxeira. Maria disse que sabia e fez. Quando parti a primeira fatia, parecia que havia cola em vez de aipim, quer dizer, macaxeira.
Ah, Ah ! Agora é a minha vez de mostrar o cartão vermelho !
Fiquei só e assim estou há dois anos.
No começo, foi complicado.
Um dia, despejei o conteúdo de uma sopa em envelope numa panela com um litro de água e acendi o fogo. Fui atender o telefone, era uma namorada de séculos atrás (esta figura literária chama-se hipérbole) e ficamos conversando por muito tempo. Quando voltei à cozinha, havia sopa sobre o fogão, no chão, invadindo o quarto de empregada, ou seja, por todos os lados. Menos na panela.
Em outra ocasião, fui preparar um purê de batata instantâneo. Coloquei leite na panela e peguei uma colher de manteiga. Sacudi a colher para a manteiga se encaminhar para a panela, mas ela – a manteiga, não a colher nem a panela – com medo de se queimar, resistiu, não quis ir. Dei uma sacudidela forte e a manteiga sumiu da colher. Mas não estava na panela. Sumiu, pensei. Escafedeu-se. Não sumiu, encontrei-a apavorada, grudada na porta da geladeira.
Só mais um acontecimento de uma série de inúmeros: Esquentei uma xícara de água no micro ondas, coloquei duas colheres de café solúvel pinguei o adoçante e fui para a sala. Ao primeiro gole, senti um gosto diferente. Confirmei com um segundo gole. Voltei à cozinha e não vi o adoçante. Mas vi o frasco do detergente. Deduzi o óbvio, com a lerdeza justificada para um portador de DNA (Data de Nascimento Antiga), ou seja, que tinha pingado três gotas do detergente. O quê fazer às duas da madrugada ?
Liguei para o meu médico:
- Marcelo, sou eu.
- São duas da madrugada. O quê houve ?
Contei a história.
O Marcelo:
- Você está deprimido de novo ?
- Não, claro que não. Por quê ?
- Então por quê tentou o suicídio ?
Eu:
- Suicídio !!??
- Cara, você pingou três gotas e só tomou dois goles. O que pode acontecer, o que é bom, é você lavar o estômago, imundo de nicotina e alcatrão. Vou te cobrar uma consulta por me ter acordado para esta babaquice.
Desligou.
Houve outros episódios.
Um dia recebo um desses e-mails chatinhos, cheio de passarinhos cantando, com as letrinhas descendo de forma randômica pela tela do monitor, quase caindo sobre o teclado e dançando abichalhadamente. O assunto era Frases Célebres.
Uma me chamou a atenção: O homem que vive só ou é um Deus ou um animal (Aristósteles).
Não, não aparecia no e-mail, mas o neurônio número 2.371.985.297 saiu do banho e me cochichou: E sua avó, em 1954, com os velhos deitados dela ?
É. Minha avó, italiana, sempre citava um velho deitado: Como diz o velho deitado, antes só do que mal acompanhado.
Não sou deus, não sou animal mas quero ficar só. Não quero empregadas que não têm nome de empregada, nem maranhenses que falam sem dublagem ou tradução simultânea, num sabe ?
Quero ficar só. Só, não, com minhas sopas Maggi, meu purê de batata instantâneo Yoki, meus Nescafés e Nescaus, minha goiabada Fungi, meu requeijão Catupiry, meu arroz de saquinho Tio João, minhas lasanhas Sadia, meu leite integral Parmalat, com meu sal Ita, com meu Açúcar União e, sobretudo, usando o Detergente Minuano só para lavar a louça. Como adoçante, vou ficar com o Assugrin.
Só e faturando muito bem com esse tal de merchandising.
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(foto: Aristóteles convidando Alexandre para morar com ele)

4 comentários:

Clara disse...

Genial e delicioso!

AAreal disse...

Clara, genial sim. Delicioso, jamais.

AAreal disse...

Argento,ficar só, não sei se é bom. Morar só, tem muitas vantagens. Por exemplo: o controle remoto é só seu. Esse basta ou quer mais... Como vc, tbm gosto de ditados. Num que penso bastante diz: " A União faz açúcar." Bom para recaídas ....

Anônimo disse...

Adorei!!! Admiro muito os que conseguem ficar sozinhos numa boa, e ainda por cima por opção: Congrats!!!