sábado, 11 de outubro de 2008

As Gralhas Enfurecidas (004)

Quando Luiz Felipe chegou ao escritório no dia seguinte, já não estava tão convicto da decisão do dia anterior. Ele estava se sentindo relaxado e pensando se valeria a pena, afinal, largar o que ainda era um bom emprego e começar a correr atrás de novas oportunidades. Imaginou-se entregando um currículo muito pobre, sendo entrevistado, respondendo a uma dúzia de perguntas imbecis, fazendo outros tantos testes igualmente imbecis, e não gostou do que imaginou.
Resolveu conversar com José Eduardo, de quem era muito amigo, suficientemente amigo para não se sentir nem um pouco aborrecido por ter sido ultrapassado por ele na nova folha de pagamento da Diretoria.
- Esse cara é maluco, Luiz Felipe. Eu fui a Paris para absolutamente nada, como foi o seu caso há dois anos e como, certamente, vai ser o caso do Fernando daqui a dois anos. Ou seja, uma maneira de calar a nossa boca com relação a pedidos de aumento ou qualquer outra coisa. O que conversei lá, com gerentes da Matriz, veja bem, nenhum, nenhum Diretor, foi simplesmente um monte de bobagens... o mercado no Brasil, as tendências... aquela babaquice de sempre. Eles fingiram que estavam gostando e eu fingi que estava acreditando que eles estavam gostando. Me admira você que trabalha com esses franceses há tanto tempo, há mais tempo do que todos nós, acreditar nesta história que eu arrumei um aumento melhor para mim.
- Não é isso, José Eduardo. Sei que você não fez nada disso. Não é isso... nem sei porque vim te perguntar isso. Sei lá... mas esse cara, você tem razão, é muito sacana. Acho que vou cair fora.
Luiz Felipe voltou a sua sala e viu o Anuário sobre a mesa, no mesmo lugar onde deixara na tarde anterior. Folheou-o de novo.
Sem usar a secretária, porque não confiava em sua discrição, agendou quatro entrevistas para a semana seguinte. Visitou duas Seguradoras, duas Corretoras importantes, mas não sentiu qualquer receptividade. O mercado, dissera-lhe um dos Diretores, estava bastante recessivo.
Nova hesitação. Tentara... não conseguira, tudo bem. Os deuses não queriam que ele mudasse de emprego. Os deuses... lembrou-se imediatamente de um de seus psicólogos, dizendo-lhe que ele sempre transferia para os outros, e até deuses, a responsabilidade por seus fracassos, retumbantes fracassos porque ele desistia muito antes de esgotarem-se todas as tentativas razoavelmente possíveis de sucesso.
Ora, os psicólogos...
Luiz Felipe, uma vez mais, desistiu. Mas por vinte e quatro horas.
A secretária passou-lhe a ligação e no outro lado da linha Eduardo Ferreira de Alcântara, Presidente e sócio majoritário da Segex, estava pedindo-lhe que ele o visitasse porque precisava conversar com ele. Luiz Felipe lembrou-se de Eduardo, conhecera-o em um coquetel na Federação de Seguradores e o encontrara uma meia de dúzia de vezes em outras ocasiões. Depois de acertar o encontro, abriu o Anuário e confirmou o que pensava: a Segex era a penúltima Seguradora do mercado em volume de prêmios.
O que Eduardo Ferreira de Alcântara podia estar querendo com ele ?
- Luiz Felipe, soube que você está pensando em largar os franceses, o que, eu acho, você deve fazer mesmo. A Segex está passando por um período de reformulação, e eu estou procurando um bom profissional para ajudar a pôr ordem na casa. Quero lhe fazer uma proposta...
Luiz Felipe passou o fim de semana ansioso, excitado, surpreso pela maneira com que tudo tinha acontecido. Fora procurar emprego, mas desistira depois de quatro tentativas. Certamente o Diretor de uma das empresas visitadas falara com Eduardo e ele, agora, não estava pedindo coisa alguma, ao contrário, estava sendo convidado.
Os deuses tinham mudado de opinião...
Luiz Felipe estava se sentindo desconfiado pela facilidade com que tudo ocorrera. Seu núcleo neurótico atacou-o no domingo à noite e ele foi dormir achando que alguma coisa ia dar errado.
Na segunda-feira, antes de ir à Segex para informar que tinha aceito a proposta, comentou com José Eduardo, e foi desestimulado a sair.
- Acho que você não devia sair daqui. Mas tudo bem, parece que você chegou ao seu limite. Mas para a Segex ! Aquilo é um saco de gatos, uma arapuca, sei lá, eles estão de dívidas até o pescoço... A Segex, você pode ver no Anuário, é a última ou a penúltima Seguradora do mercado. Pensa um pouco mais, procura com mais calma.
Luiz Felipe tinha certeza de que o amigo estava certo em suas observações, mas, como se conhecia muito bem, também tinha certeza de que, se esperasse mais, acabaria se acomodando outra vez, ficaria, e estaria se arrependendo no primeiro problema que aparecesse.
- Como disse Lin Yutang, é melhor se arrepender das coisas que fizemos do que das que não fizemos.
Mas não foi encontrar-se com o dono da Segex naquela manhã. Resolveu conversar com Luísa e sentiu-se um perfeito idiota, ganhador do Prêmio Nobel da Indecisão.
- Acho que o José Eduardo tem razão. Esse Eduardo Ferreira de Alcântara está nas colunas sociais, aparece em todos os lugares badalados, ele pode ser tudo, menos um executivo sério. Até eu, que não trabalho em seguros, que não conheço nada do assunto, sei disso. Você vai largar a segurança da Seguradora de Paris, seus dezesseis anos, pela Segex ?
- Vou. Quer dizer, acho que vou.
- Você já consultou o seu núcleo neurótico ?
Luiz Felipe considerou conveniente não responder.
______________________________________________________________________

Nenhum comentário: