Estavam presentes todos os Diretores. Antes de sentar, Luiz Felipe viu um novo personagem, certamente mais velho que o Presidente. Eduardo Ferreira de Alcântara comunicou a criação da Diretoria de Relações Públicas, e deu as boas-vindas ao ocupante do novo cargo.
O General Macedo, reformado, de alto prestígio junto às Forças Armadas, a quem caberia abrir portas para novos negócios, agradeceu ao Presidente e aos demais membros da Diretoria a confiança que lhe fora depositada e disse que esperava estar à altura desta nova missão em sua vida, que cumpriria com todo o denodo e a disciplina que sempre imprimiu em todas as funções que exerceu.
Luiz Felipe, por um momento, sentiu-se aliviado, achando que o Presidente não tinha conseguido convencer o outro acionista, seu irmão, a promovê-lo, e o General, por razões mais do que óbvias, tinha sido o escolhido. Uma boa solução, pensou, satisfeito por não ter que recusar o convite.
Mas o núcleo neurótico, embaixo da mesa, puxou sua calça e informou que a sessão ainda não havia terminado.
O Presidente estava discursando, transmitindo sua certeza de que a Segex estava caminhando muito rapidamente para retomar o lugar que merecia no mercado de seguros do país, e que ele seria o condutor nesta grande jornada, contando com a colaboração, a experiência e a sabedoria de todos os presentes.
- Esta empresa voltará a ser o que meu pai sempre sonhou que ela fosse.
O Presidente aguardou alguns segundos, agradeceu os aplausos, o que sempre acontecia quando citava o nome do pai, e prosseguiu:
- Tenho certeza de que o nosso amigo Macedo, agora, nesta atividade fora dos quartéis, terá tanto sucesso quanto teve em sua carreira militar. Ele trará novos negócios e nós precisamos estar bem estruturados para recebê-los, administrá-los com eficiência e agilidade.
E concluiu:
- Senhores, tenho a enorme satisfação de comunicar a promoção de um membro de nossa equipe, que em apenas seis meses, comprovou o alto conhecimento técnico, a força extraordinária de trabalho que já demonstrara em sua passagem pela Seguradora de Paris. Sinto-me particularmente feliz e orgulhoso de tê-lo trazido para o nosso convívio, antes que um concorrente o fizesse. Apresento-lhes o Diretor Técnico, Luiz Felipe de Souza Neto.
Luiz Felipe recebeu os cumprimentos, voltou a sua sala, telefonou para Luísa, informou que fora promovido e convidou-a para um jantar comemorativo. O núcleo neurótico, que estava ouvindo na extensão, perguntou debochadamente:
- Comemorar o quê ?
- Foi assim mesmo, Luísa. Juro. Ele tinha me dado um dia para pensar, eu fui ao Dr. Silas e quando cheguei à Companhia o circo estava armado. Fui promovido a Diretor e se aquela coisa quebrar, eu quebro junto. E agora ?
Luísa estava nitidamente impaciente com a permanente choradeira de Luiz Felipe, que nos últimos dias só sabia dizer “e agora?”, “o quê que eu faço?”, “como é que eu fico nessa história?” e, por isso, não estava se sentindo capaz de ajudar, de dizer qualquer coisa, sabendo que, a qualquer comentário que fizesse, Luiz Felipe, como sempre, responderia que era conversa de psicólogo.
Na verdade, ela estava questionando seu relacionamento com Luiz Felipe.
Ela o conhecera na Universidade, onde ela cursava Psicologia e ele a Faculdade de Direito. Cruzavam-se nos corredores, esbarravam-se no bar da Universidade, brigavam nas Assembléias do Diretório Central dos Estudantes, ele com tendências românticas pela esquerda, idolatrando Fidel Castro, ela, enamorada pela direita, considerando uma tragédia nacional a derrota do Marechal Lott para o caótico Jânio Quadros. Ela indo para a Faculdade num Karman Ghia do ano, ele de ônibus.
Um dia Luísa não conseguiu fazer o Karman Ghia pegar, abriu o capô e ficou olhando para o motor, como um burro olhando para o palácio, como mais tarde Luiz Felipe descreveria a cena. Ele caminhava em direção ao ponto de ônibus e ofereceu ajuda. Luísa perguntou se ele entendia daquilo. Ele disse que absolutamente nada, mas que sabia empurrar.
O carro funcionou. Luísa ofereceu-lhe carona e surpreendeu-se por ver que ele, como ela, morava no Leblon, o que, ela pensava, não ficava bem para um universitário de esquerda. Não chegou a haver uma combinação, mas quase todos os dias Luísa alterava um pouco seu itinerário e apanhava Luiz Felipe no ponto do ônibus.
Separaram-se por um ano porque Luísa foi para a Europa aprender inglês e francês mas, quando voltou, retornou à Faculdade e passou a encontrar-se com Luiz Felipe outra vez.
Foi quando ele perguntou se ela estava a fim de namorar. Ela achou a frase absolutamente idiota, mesmo para a década de sessenta e, ao invés de responder, lembrou sua condição de estudante de Direito e pediu que ele redigisse uma petição, com firma reconhecida em cartório. Ela proferiria a sentença em quarenta e oito horas.
Estavam namorando há oito meses quando o pai de Luísa, executivo de importante laboratório farmacêutico, foi transferido para a França e Luísa resolveu acompanhar a família, percebendo, já naquela época, que seu namorado era uma pessoa muito complicada para seu gosto.
Alguns anos mais tarde os pais morreram em um acidente de carro numa estrada perto de Lyon e Luísa voltou para casa. Reencontrou o ex-namorado, de quem recebeu uma atenção e um carinho muito especiais nos momentos difíceis por que passou. A atenção e o carinho tornaram-se bastante explícitos e, enfim, começaram a se relacionar também “sur le lit”, como Luísa gostava de falar. Estavam juntos, em casas separadas, há quase três anos. Nenhum dos dois jamais falara em casamento. Nunca também tinham expressado o pensamento que ambos possuíam: não havia nada pior para atrapalhar um ótimo relacionamento do que o casamento.
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