Renunciou ao cargo de Diretor na Seguradora de Paris, fez um acordo com o Jean Marie Qualquer Coisa, recebeu o Fundo de Garantia, e mudou-se do centro da cidade para a Tijuca, onde ficava a Matriz da Segex.
O acionista principal herdara a Seguradora do pai, uma figura respeitada e tradicional no mercado segurador. Eduardo Ferreira de Alcântara, com quase sessenta anos, dizia que recebera a fortuna muito tarde e, não tendo para quem passá-la, não estava se preocupando muito em continuar com o negócio. O pouco que fazia, como empresário, tinha como finalidade manter o padrão em que estava vivendo, desde a morte do pai, há oito anos, quando se sentiu livre do esquema rígido de trabalho que lhe tinha sido imposto por tanto tempo.
Sua foto estava quase todos os dias nas colunas sociais dos jornais, onde ele aparecia sempre acompanhado por lindas mulheres, atrizes de televisão, de teatro, modelos profissionais, de todas as cores e de todas as idades, e também, por viúvas ricas e famosas.
A Segex, é o que se dizia e escrevia, era mais um exemplo clássico das empresas construídas com o trabalho sério e honesto de uma geração e que a geração seguinte conseguia destruir em pouco tempo.
Grandes empresários, executivos importantes, gostavam de Eduardo, freqüentavam as festas faraônicas em seu apartamento de mil metros quadrados na beira da praia, em Ipanema, viajavam com ele para os fins de semana em Angra, mas não lhe entregavam suas apólices de seguros. Um cronista social, que tivera recusado um sinistro duvidoso, escreveu que a Segex tinha a cara do dono: era uma festa permanente, sem qualquer compromisso com eficiência ou seriedade.
Ausente na empresa, ignorando que a gestão dos negócios estava entregue a profissionais despreparados e desonestos, Eduardo demorou a perceber que sua Seguradora estava caminhando para a liquidação.
Concordou que tinha demorado, mas entendeu que ainda havia tempo de se recuperar. Aposentou-se da vida social e arregaçou as mangas, firmemente decidido a enfrentar o difícil desafio de melhorar a imagem de sua empresa, já então tristemente conhecida no mercado como a grande fraudadora de bilhetes de seguros obrigatórios.
Luiz Felipe ouviu atentamente toda a história, e acreditou que estava diante de alguma coisa muito importante em sua vida profissional. Sentiu-se empolgado, cheio de esperanças, concluindo, de tudo que Eduardo lhe contara, que seria o homem de confiança, o profissional preparado e honesto que ajudaria a consertar o estrago.
José Eduardo, seu amigo, e Luísa, sua... sua o quê ?, e seu núcleo neurótico estavam totalmente enganados.
O Presidente fora muito enfático:
- Você vem de uma Companhia séria e quero que o mercado saiba que não estou admitindo um aventureiro qualquer. Você tem um nome tradicionalmente ligado a seguros, como seu pai. Nesse sentido somos iguais, ou seja, somos a segunda geração de seguradores. Você tem carta branca aqui dentro. Faça o seu trabalho e me ajude a reconstruir esta Companhia.
Luiz Felipe não demorou a verificar a existência de irregularidades, como o não recolhimento do Fundo de Garantia dos empregados e o atraso injustificável no pagamento de sinistros. Mas não se assustou. Estes fatos não lhe tinham sido escondidos e, ele pensava, eram apenas indícios de uma total desorganização, um dos pontos que faziam parte da arrumação da casa, para o quê, afinal, ele tinha sido contratado. Mas não era só isso.
Na manhã de uma segunda-feira, Luiz Felipe foi à sala do contador para conferir alguns dados referentes aos limites técnicos com os quais a Companhia operaria no ano seguinte e, por mais que tentasse não ouvir a conversa que o contador mantinha ao telefone, observou que havia problemas relacionados ao não recolhimento do imposto de renda retido dos empregados.
E o que percebeu, também, é que o hábito de lidar com aquele tipo de problema, ou a certeza absoluta da impunidade que devia existir há muito tempo, faziam do contador uma pessoa totalmente despreocupada com discrição, diante de alguém recém admitido na empresa.
- Garanto que na Companhia onde você trabalhava isto não acontecia. Imagine se os franceses iam atrasar recolhimento de imposto.
No almoço, tentou obter algumas informações do Gerente da Filial Rio de Janeiro e saiu com a certeza de que havia algo mais do que irregularidades, e que as pessoas não estavam muito preocupadas em esconder o que estava acontecendo.
Luiz Felipe não sabia se era uma quadrilha. Era um grupo de pessoas muito unidas, há muito tempo, participando, cada uma em sua área de atividade, de operações deliberadamente confusas, envolvendo gestão de sinistros, falta de recolhimento de prêmios ao Instituto de Resseguros, cessão de cosseguros às outras Seguradoras e mais, muito mais.
Ele não fazia parte do grupo e não sabia se seria convidado a entrar. Talvez, a conversa com o contador e as informações do Gerente da Filial Rio de Janeiro, fossem um sinal de que o estavam querendo convidar, mas talvez não fosse nada disso e ele, como sempre, estivesse fantasiando. Até aquele momento, concluiu, ele só devia ser mesmo o tal nome sério do mercado, vindo de uma Companhia séria, para realizar um trabalho sério.
Às quatro da tarde, tinha decidido falar com o Presidente. Mas, falar o quê ? Entrar em sua grande sala, no quarto andar, e dizer que sabia o que estava acontecendo e que, para continuar dando a sua valiosa colaboração naquele projeto de restauração da imagem da Companhia e, a médio prazo, conduzi-la a uma melhor posição, seria necessária a adoção de urgentes providências, as quais poderiam incluir a demissão de pessoas importantes na estrutura...
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