quinta-feira, 23 de outubro de 2008

As Gralhas Enfurecidas (006)

Antes que pedisse à secretária para falar com Eduardo, ela lhe telefonou:
- O Presidente quer falar com você, hoje ainda. Você pode subir entre cinco e cinco e meia.
A sala era a mesma usada para as reuniões da Diretoria e o Presidente sentava-se à cabeceira de uma enorme mesa retangular, com seis cadeiras em cada lado.
Enquanto esperava que ele desligasse o telefone, Luiz Felipe olhava as fotos emolduradas na parede e em porta-retratos sobre um móvel antigo: Eduardo, jogando pólo com amigos, no Rio de Janeiro; Eduardo, jogando pólo com o Príncipe Charles, em Londres; Eduardo, recebendo troféu da Rainha Elizabeth, em Windsor; Eduardo, casando-se com Vânia, herdeira do Grupo Silveira Martins; Eduardo com a mulher, em Los Angeles, na festa do Oscar; Eduardo com um grupo de convidados, onde apareciam Luiz Felipe e o amigo José Eduardo, naquela mesma sala, quando da inauguração da sede da Companhia. Eduardo...
Luiz Felipe pensou nos problemas da empresa e, apavorado, sem saber exatamente porquê, começou a duvidar da história que Eduardo lhe havia contado e de seu propósito, tão enfaticamente declarado, de voltar ao passado e recuperar o prestígio e a credibilidade que a Seguradora tivera nos tempos do pai. E imaginou se algum dia haveria uma outra foto naquela parede, na qual o famoso Eduardo Ferreira de Alcântara apareceria de frente e de perfil, com um número e uma data sobre o peito. Não, isto não aconteceria. Quem recebia troféu da Rainha Elizabeth jamais seria preso.
Eduardo desligou o telefone e foi direto ao assunto:
- Você sabe que estamos passando por dificuldades, problemas sem muita importância que, aliás, já estão equacionados. No máximo em dois meses, toda a situação já estará regularizada. Por isso, eu entenderei se você recusar, não há problema algum. Amanhã haverá a reunião dos acionistas, isto é, eu e meu irmão... e vamos criar mais uma Diretoria. Você foi o escolhido para ocupá-la.
E, antes que Luiz Felipe fizesse qualquer comentário, completou:
- Não precisa responder agora. Vamos embora, já está tarde, eu te dou uma carona.
O primeiro a se manifestar sobre a promoção foi seu núcleo neurótico, que subindo com Luiz Felipe no elevador, quando ele chegava em casa, comentou:
- Você está indo bem... Diretor em seis meses ! Mas, em se tratando desta Companhia... é bom pensar muito mesmo e consultar algum advogado antes de aceitar.
Depois, foi a vez de Luísa, para quem Luiz Felipe telefonou, chamando-a para jantar.
- Pois é, Luísa, detesto ter de admitir mas acho que você e o José Eduardo estavam com razão...
- Pois é, Luiz Felipe e eu detesto ter de repetir aquela frase que você odeia mas... eu não disse ?
- O quê que eu faço agora ? Como eu posso não aceitar a nomeação e continuar trabalhando ? O Eduardo, você sabe, já recebeu troféu da Rainha Elizabeth, e foi convidado para o casamento do Príncipe Charles. Se a coisa engrossar, ele se sai muito bem... e eu ? Como é que eu fico nesta história ?
Luiz Felipe seguiu o conselho do núcleo neurótico, que foi ratificado pela amiga Luísa, e consultou o Dr. Silas Cardoso, com quem trabalhara, ainda como estudante de Direito.
O advogado tinha tido alguns problemas com a Segex, mas, muito discreto, como sempre, não quis dar maiores detalhes. Nem precisava... certamente deixara de receber honorários por algum serviço prestado... e sua impressão sobre Eduardo Ferreira de Alcântara, por razões óbvias, não era das melhores.
- O não recolhimento do imposto de renda retido dos empregados é coisa séria. O nome disso, no Código Penal, é apropriação indébita. O contador e os Diretores são responsáveis, podem ser presos e seus bens respondem pelos débitos da empresa, o que não acontece com quem é apenas empregado, mesmo que tenha o título de Superintendente, como é o seu caso. Logo, você não deve aceitar o convite.
Ser preso. Perder os bens. O apartamento onde morava, a casa de campo... seria realmente algo trágico, quase tão trágico quanto o discurso que teria de ouvir do amigo José Eduardo, ou os “eu não disses?” de Luísa.
- Um detalhe: o Eduardo não vai perder nada de importante, porque o que é realmente importante está numa conta na Suiça, ou na Inglaterra, para onde ele vai todos os anos, levar ou lavar os dólares, e aproveita para jogar pólo com o filho da Rainha, o que, aliás, é uma desculpa muito charmosa para justificar a viagem. Em suma, esse sujeito é um salafrário.
Tudo bem, não aceitar o convite e ficar como empregado... Mas como justificar perante o dono da Companhia a recusa em ser Diretor e permanecer como empregado ? Não, a questão não era esta. Luiz Felipe acreditava, filosofando dentro do metrô, que isto Eduardo entenderia. Afinal, não fora ele mesmo que dissera que entenderia a recusa ? Se a questão não era esta, qual era, então ?
Quando chegou ao escritório, havia um recado da secretária: ele devia estar na sala do Presidente às dez horas. Já estava atrasado quinze minutos.
Dispensou o elevador, subiu os dois lances de escada e entrou pela segunda vez, em vinte e quatro horas, na grande sala do Presidente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Suas gralhas começaram a alçar vôo, ainda que timidamente. A história parece que vai ficar interessante.Acho uma boa a publicação em pedaços, fica parecendo novela. Sugiro que você publique um pedaço, mesmo menor, mas todos os dias. Pode ser ?