quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Maracanã pode colocar o STF na retranca, por Carlos Tautz



Aos poucos, o desgastado governador do Rio vai desfazendo a sua própria série de privatizações no complexo do Maracanã, a obra mais emblemática dessa loucura coletiva que cega o Brasil e levou o País a aceitar todo tipo de barbaridade com o dinheiro público em nome dos megaeventos.
Reformado pelos bilhões do governo, e em seguida entregue ao consórcio que é 90% Odebrecht (mas com Eike à testa), o Maracanã privatizado põe Cabral contra a parede.
Afinal, não há porque desistir da demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático Julio Delamare e da Escola Municipal Friedenreich, que seriam destruídos para que seus espaços viabilizassem o shopping e o estacionamento que a Odebrecht planejava construir ali, e manter o Maraca elitizado para os poucos que conseguem pagar seu caríssimo ingresso.
Se agora já consegue ver o óbvio – o malefício causado à sociedade pela demolição de espaços dedicados ao treinamento da elite do esporte brasileiro, às vésperas de o Brasil sediar competições esportivas internacionais -, não há porque não voltar atrás e também desfazer a vergonhosa entrega ao capital privado, quase sem ônus, do estádio que, ainda que historicamente lotado de problemas de gestão, simbolizava o casamento entre a nação brasileira e o futebol, nosso esporte mais popular e ícone de nossa identidade.


O alcance da desprivatização do complexo do Maracanã traria consequências muito maiores do que a retomada para o poder público do estádio. Uma decisão desse tipo, fruto da pressão das ruas que Cabral sofre cotidianamente, a rigor coloca em xeque todo o arcabouço legal em que se baseiam as benesses que o governo federal vem concedendo à Fifa: o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, para licitações e contratos de obras para a Copa e a Olimpíadas, e a Lei Geral da Copa. Ambos já foram objetos de pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Procuradoria Geral da República ao STF.
Ao admitir que precisava ouvir a sociedade, que se colocou firmemente contrária à alienação do Maracanã, Cabral ratifica a impressão geral, expressa nas manifestações de junho que tomaram as ruas de todo o País, de que as centenas de bilhões que o governo federal e os estados concedem a tudo que se justifica nos megaeventos carece de legitimidade social, que vem a ser a base de qualquer lei ou decisão oficial.
Cria-se, assim, a partir do Rio de Janeiro, um clima que pode se espalhar pelo Brasil e deve influenciar o STF, um órgão cujas decisões recentes vem demonstrando o quanto o Supremo julga com um olho na lei e outro na política. Em outras palavras, o Maracanã pode colocar o STF na retranca.

Carlos Tautz, jornalista, coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e controle cidadão de governos e empresas.

Um comentário:

Alberto disse...

Pobre Brasil mantido na esquizofrenia pendular entre o estatal e o privado.
Uma coisa comprovada é a incapacidade do estado de gerir empreendimentos esportivos autossustentáveis. As ruínas do velho Maracanã e a falta de segurança dos torcedores são provas desta incompetência sistêmica.
Infelizmente até na tentativa de privatização o estado se mostra incompetente e aparentemente corrompido na negociação(negociata?) da criação de um novo complexo esportivo que atenda às necessidades da sociedade.
As decisões estapafúrdias e ditatoriais dos governos nas privatizações passadas não indicam que o processo seja inviável mas simplesmente que pela falta de transparência (participação da sociedade) e regulamentação (controle dos interesses das partes envolvidas) temos um modelo Frankenstein do processo considerado perigoso pelos defensores do estado absoluto.
Certamente na mão do estado não deu certo.
Vamos tentar a outra via bem administrada para atender aos anseios dos cidadãos.