Fim de aula, encontro colegas no corredor da faculdade. Uma piadinha, bom fim de semana a todos e um tapa de leve nas costas de um deles -- um dos ingleses mais ingleses da classe. Nada que eu já não tenha feito centenas de vezes, aqui, no Brasil, em qualquer parte.
“Você não sabe que eles detestam isso?”, me diz uma amiga americana. “Eu namoro um londrino e mal encosto nele fora de casa. Aqui eles evitam encostar.” Como não pensei nisso antes?
Para não restar dúvida pergunto a um brasileiro que vivia aqui antes de mim. “Você parte do pressuposto que não vai tocar. Meu pai veio me visitar e pediu para um senhor tirar uma foto nossa no aeroporto. Depois o meu velho quis parecer gente boa e deu um tapinha nas costas do inglês. O cara olhou para trás apavorado, como se tivesse acontecido algo muito errado”, ele diz. “Uma vez acharam que um amigo grego era gay porque dava tapinhas nas costas.”
Começo a temer pela minha reputação com as moças da faculdade. E me lembro do tanto que os londrinos, mesmo sem ginga, desviam uns dos outros no metrô e no ônibus. Como evitam o mínimo contato em qualquer espaço público. Como você só descobre um casal na sua classe porque te contam -- nenhum sinal de afeto é visível e eles nem se sentam lado a lado. Como pedem desculpas a cada esbarrão, ainda que não causem dano.
Realmente eles não se encostam. Ao ponto de em seis meses eu ter assimilado esse comportamento e nem ter me dado conta. “Você está diferente aqui”, me diz uma amiga mexicana. “Fora de Londres você era mais expansivo, falava com as mãos, falava como um latino”. Até poucos dias atrás eu achava que a única coisa que tinha mudado era o sotaque.
Certamente há exceções à regra de não tocar. Sempre que os meus colegas estão bêbados eles encostam bem mais -- puxam pelo braço e murmuram em um inglês incompreensível, despedem-se com beijos, dão cotoveladinhas para ver se você entendeu uma piada. Mas ainda se abraçam de lado. Poucas pessoas são mais desengonçadas do que um londrino se preparando para um abraço de “te considero muito, cara”.
Também os considero, sem dúvida, bons amigos. Se não são tão calorosos quanto nós latinos, eles compensam no respeito que têm pelas diferenças mesmo em uma sociedade multicultural como poucas. Mas, por via das dúvidas, aboli os tapinhas nas costas. Já estava na hora de eu me tocar.
Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area. Twitter: msavarese. Email: savarese.mauricio@gmail.com. Maurício estará conosco todas as segundas-feiras.
Um comentário:
Este comportamento é encontrado em toda Europa com algumas exceções na Italia setentrional.
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