sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Cartas de Paris: Do direito de usar calças e seu próprio sobrenome - Ana Carolina Peliz



CRÔNICA


As parisienses finalmente foram autorizadas, na semana passada, a usar calças compridas. Isso mesmo, até dia 31 de janeiro deste ano ainda vigorava em Paris um decreto de 1.800 que proibia as mulheres de se “vestirem como homens”. 

A mulher que usasse calças compridas poderia ser presa. A medida foi aplicada logo após a Revolução Francesa. Na época, as mulheres revolucionárias reivindicavam o uso de calças.
Com o tempo, a lei caiu no esquecimento, mas continuou existindo. Foi necessário que o Ministério pelo Direito das Mulheres pedisse sua extinção, mês passado, para que a proibição fosse abolida de uma vez.
Essa notícia me fez lembrar que antes de vir morar aqui eu achava a França um país progressista, pouco a pouco fui percebendo que na verdade esta sociedade guarda ranços conservadores difíceis de serem extinguidos.
Um exemplo disso é a mudança de estado civil da mulher casada. Explico: quando a mulher é solteira é chamada pelo título “Mademoiselle”, seguido de seu sobrenome. Quando se casa passa a ser chamada “Madame”, mais o sobrenome do marido.
O mais interessante é que nenhuma lei francesa obriga a mulher a mudar de identidade ao se casar. É um costume extraoficial que eu não adotei, mas que adotaram para mim.
Quem dera as regras escritas fossem tão respeitadas. Em todos os lugares que vou sou chamada pelo sobrenome do meu marido. Ainda que insista que meu nome é Peliz, Ana Carolina Peliz, não adianta. Eu já tentei tudo, briguei, pedi, implorei, fiquei horas em filas e me recusei a receber documentos por causa disso. Impossível!
Um decreto de 2012 chegou a proibir que todas as instituições públicas fizessem a diferença entre “mesdames” e “mesdemoiselles”. O interessante é que, ao contrário da lei sobre as calças, neste caso, o costume enforcou a lei.

 Coco Chanel rompendo tabus na década de '20

A maioria das pessoas com quem falo sobre isso – grande parte mulheres – diz: “é cultural”. Com certeza é cultural. Eu sou partidária do respeito e da adaptação ao país que nos acolhe, mas também acho que os costumes das sociedades não são estáticos e que evoluir é positivo. A mudança da indumentária feminina é uma boa prova disso.
Mas enquanto os hábitos não evoluem, eu continuo na minha luta, incansável e incompreendida, pelo uso da minha identidade.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.

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