Gaudêncio Torquato
Por nossas plagas, tragédias ocorrem todos os dias, algumas com data marcada, como as avalanches que assolam, em inícios do ano, o Estado do Rio de Janeiro, deixando à mostra a omissão dos governantes.
Quando se imagina, porém, que o arsenal de mazelas se encontra locupletado, surgem modalidades exóticas que parecem disparates a testar nossa capacidade de distinguir entre o crível e o incrível, ficção e realidade.
O neurocirurgião que faltou ao trabalho na noite de Natal, no Hospital municipal Salgado Filho, no mesmo Estado do Rio, deixando de prestar socorro a uma menina de 10 anos ali internada com uma bala na cabeça, teve o desplante de dizer que faltava aos plantões há um mês por discordar do critério do estabelecimento.
Apenas ele era escalado quando o Conselho Regional de Medicina exigia que fossem dois os plantonistas da noite.
Domingo passado, a garota Adrielly dos Santos, que esperou 8 horas para ser atendida, teve morte cerebral. Era um desfecho bastante previsível, como se pode aduzir de situações em que a torrente de violência urbana esbarra no hábito do caradurismo, particularmente cultivado nos corredores da administração pública.
Adrielly
A recusa do servidor em cumprir o dever de dar plantão desvenda o véu de vícios que corroem a qualidade dos serviços essenciais, particularmente em duas frentes sensíveis à população: a saúde e a educação.
Teria o médico feito raciocínio sobre as consequências nefastas de fugir à missão à qual se obrigava como funcionário público?
Não teria passado por sua mente a ideia de que, em uma capital não tão pacificada, uma decisão com foco em interesse exclusivamente pessoal lesaria os interesses coletivos?
Será que o gesto de contrariedade intencionava fazer ver ao hospital a necessidade de mudar critérios de escalação de plantonistas?
Não lhe ocorreu a hipótese de cumprir o dever, sem abdicar do direito de fazer chegar ao CRM a indignação para com os métodos adotados pelo hospital?
Por que a rebeldia não redundou em pedido de demissão do emprego?
Leia a íntegra em Rio - Quando a falta ao trabalho vira uma tragédia
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
2 comentários:
Para uns será uma comédia de erros.
O plantonista faltava, a administração fingia não ver e uma criança morre sem atendimento.
O plantonista não foi punido por falta de substituto?
Alguma vez seu salário foi cortado por absenteísmo?
Está prevista punição ou exoneração de administradores relapsos?
Para outros a síndrome da "casa da Mãe Joana" ainda matará muita gente e relegará ao analfabetismo crianças que queriam ser o futuro do Brasil
Uma morte por uma falta. Lamentável.
Não podemos esquecer que outras faltas causam mortes em massa, como faltar um dos tantos funcionários de todos os escalões, nomeado por interesse político, e não cumprir suas atribuições de adquirir a tempo e hora, medicamentos e afins para os hospitais públicos.
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