segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Obama muda estilo em novo governo


Iniciativas pós-reeleição indicam que presidente vai trocar tom conciliador por uma postura de confronto



Presidente Barack Obama e seu vice, Joe Biden, em discurso sonre o controle de armas
Foto: MANDEL NGAN / AFP
Presidente Barack Obama e seu vice, Joe Biden, em discurso sonre o controle de armas MANDEL NGAN / AFP
WASHINGTON — O presidente Barack Obama escolheu a armadura como uniforme e o confronto como estratégia no segundo mandato, para o qual será empossado nesta segunda-feira. Escaldado pelas frustrações acumuladas nos primeiros quatro anos, que impediram o cumprimento de promessas de campanha e tornaram menos ambiciosas conquistas como a reforma do sistema de saúde, Obama renova seu contrato na Casa Branca despindo-se do espírito conciliador que pautou seu governo. Com popularidade em alta desde a reeleição, sua postura está agora ancorada no desafio ao Partido Republicano - que acirrou ainda mais a oposição, mas recolhe, abatido, os cacos das sucessivas derrotas desde novembro - e na ação de palanque, em que busca no eleitorado o apoio que falta no Congresso.

É quase uma metamorfose. No primeiro mandato, Obama era alvo de piadas na própria bancada democrata, que cunhou a expressão “regra Obama”. Por ela, nenhuma proposta era enviada ao Congresso se não tivesse chance de passar nas duas Casas. Ou seja, Obama só apostava no meio-termo, mesmo que isso limitasse a sua agenda e irritasse sua base progressista. Também quase não se comunicou com a opinião pública, e quando o fez, foi com discursos pouco cativantes.- Um Obama mais ousado e assumindo riscos é o que devemos esperar para o segundo mandato, pelo menos em 2013, que será crucial para definir seu legado. Ele está livre de muitas amarras, como o fato de nunca mais disputar eleições, começa o novo período com 53% de aprovação, mais alto patamar em mais de dois anos, e está diante de um quadro político tão complexo que não tem alternativa a não ser partir para o confronto e tentar forçar os republicanos a aceitar acordos - afirma o cientista político Robert Watson, da Lynn University.
- Não há dúvida de que o presidente Obama, em quatro anos no cargo, aprendeu muito a trabalhar com o Congresso e a conseguir apoio da opinião pública - reconheceu o secretário de Imprensa de Obama, Jay Carney, há uma semana.
Desde que foi reeleito, a postura de Obama mudou. Nas discussões para evitar o chamado abismo fiscal, bateu pé em sua abordagem, que equilibrava cortes de gastos e aumento de receitas via elevação de impostos para os mais ricos, visitou famílias de classe média e dirigiu-se à nação diretamente em pronunciamentos. Com dois terços dos americanos a favor de sua proposta, encurralou os republicanos e arrancou uma legislação provisória.
Obama encerrou as discussões antecipando que não será refém em outras batalhas fiscais e que não aceitará uma tesoura afiada em programas sociais no acordo para redução do déficit público, um dos principais desafios até 2016.
O trágico massacre de Newtown ofereceu outra oportunidade. Em um mês, Obama embarcou em uma cruzada pelo controle de armas, tema evitado na campanha mesmo com a carnificina em um cinema no Colorado. Contra o poderoso lobby dos donos de armas, influente entre republicanos e até entre democratas, criou uma força-tarefa, adotou 23 medidas administrativas e endossou propostas legislativas de seu vice para proibir armas de grande porte e tipos de munição, entre outras heresias para os conservadores.
O presidente tem ainda abusado do apelo à emoção da população - levou pais de crianças assassinadas à Casa Branca para anunciar as medidas - e recorrido a organizações civis. Prometeu todo o empenho na aprovação das leis restritivas, desafiando alas de seu próprio partido.
Num país em que o assunto é controverso e desperta paixões, Obama tem colhido frutos. Em recente pesquisa, 55% dos americanos declararam apoio à intenção de controlar armas, deixando de novo os republicanos do lado errado.
Crise do Partido Republicano
A estratégia cresceu com o vazamento da informação de que a vencedora estrutura de campo da campanha à reeleição, ainda não desmontada, será usada para animar a base e forjar uma coalizão pró controle de armas. Esta rede poderá ser usada também em outro objetivo central e polêmico no segundo mandato: uma ampla reforma migratória.
- O momento requer liderança política, discurso direto, ousadia e, sobretudo, apoio popular. Obama precisa ser seu próprio cara - afirma o cientista político Allan Litchman, da American University.
Há uma série de variáveis no cálculo político de Obama. Uma das mais poderosas é a crise do Partido Republicano. Tendo perdido a eleição presidencial e cadeiras no Congresso, a oposição troca farpas internas e não consegue reembalar seu discurso, cada vez mais radical. Quase jogou o país numa crise ao insistir na desoneração de impostos para os mais ricos, bloqueou a lei que beneficiaria deficientes físicos, votou contra o pacote de ajuda às vítimas do furacão Sandy e ataca Obama impiedosamente na questão das armas.
A estratégia de Obama é explorar o contraste com a Casa Branca e os democratas, acirrar a decepção dos americanos com o nó político em Washington e colar de vez o estigma de intransigente e capturado por lobbies no Partido Republicano - que dá sinais de que vai ceder em alguns pontos, como o teto da dívida, para minimizar a vitória de Obama. Com isso, além da aprovação de leis de seu interesse, que construirão seu legado, o presidente mira os dois próximos ciclos eleitorais.
O melhor dos mundos para Obama seria refazer a maioria na Câmara (os democratas lideram o Senado) nas eleições legislativas de 2014. Isso aumentaria a musculatura do Partido Democrata para 2016 e a sua capacidade de influenciar o pleito. O presidente gostaria de fazer o sucessor, mas tem a História jogando contra. Em geral, a fadiga com um grupo político após oito anos favorece a alternância de poder.
- Obama está tentando moldar o discurso político e adicionar energia ao seu gabinete, com várias trocas, mas com pessoas alinhadas com o seu pensamento. Ele sabe que segundos mandatos costumam ser frustrantes e tenta correr ao máximo para fugir desta maldição - diz Watson.
Mas este caminho tem possíveis reveses, adverte o especialista da Lynn University. Um presidente não pode governar apenas apostando que mesmo suas derrotas serão creditadas na conta da oposição. Por isso, Obama precisa saber escolher suas brigas, para não pagar o preço se recuar. E terá que afiar sua habilidade de negociar bipartidariamente se quiser avançar em outros temas mais complexos e menos emocionantes para a população, como reforma do código tributário, novos estímulos à economia e regulação energética.
Litchman acrescenta outro risco: expectativa em demasia. Apesar do ânimo mais combativo, o cientista político da American University lembra que Obama gastará muito capital político com os desafios que já estão na mesa - os assuntos fiscais, controle de armas, imigração e a confirmação pelo Senado de indicações que desagradam os republicanos, como Chuck Hagel para o Pentágono e Jack Lew para a Secretaria do Tesouro.
Isso deverá torná-lo mais comedido. Ele vê pouco espaço para Obama brigar por medidas ambiciosas como a imposição de uma taxação sobre emissões de carbono, por exemplo, que teriam impacto internacional. A recuperação total da economia - ele venceu as eleições garantindo aos americanos que suas políticas dariam certo - é outra incerteza.
- O presidente Herbert Hoover disse uma vez: “O presidente ganha créditos pela luz do sol e é culpado pela chuva”. Você não pode contar que a população vai culpar os republicanos se você não alcança resultados. O presidente não se desvia da culpa - diz Litchman.


Um comentário:

Alberto disse...

O jogo político exige arte e coragem.
Os políticos bem sucedidos são os que conhecem a fronteira entre seus desejos e a realidade possível.