Elio Gaspari, O Globo
Foi-se embora do Supremo Tribunal Federal o ministro Carlos Ayres Britto. Ocupou a presidência da Casa por apenas sete meses e presidiu o maior julgamento de sua História, engrandecendo a Corte e o país.
Sua maestria esteve na habilidade com que costurou em silêncio vaidades, conflitos e manobras.
Em 2003, quando Lula nomeou-o para a Corte, para os leigos sua biografia resumia-se a um viés regionalista e pitoresco: era sergipano e poeta. Depois, soube-se que era também vegetariano.
Antes de assumir a presidência do tribunal, ele fixou outra característica: seus votos indicavam um jurista convicto de que a Constituição tem um espírito. Num país onde a Carta é emendada como se fosse uma lista de compras, acreditar que há nela um indicador da alma da sociedade foi a maior das suas contribuições. Com esse entendimento, matou a Lei de Imprensa da ditadura com tamanho vigor que até hoje o Judiciário não digeriu direito seu voto.
Presidindo o julgamento do mensalão, deu um exemplo aos costumes nacionais mostrando que na política brasileira há espaço para a suavidade. Nunca elevou a voz, jamais acrescentou arestas a debates crispados.
Num tribunal que passara pela presidência alegórica de Gilmar Mendes e pela irritadiça de Cezar Peluso, ele descalçava as meias sem tirar os sapatos.
Britto aposentou-se dias depois da morte do mestre-sala Delegado, da Mangueira, outro campeão da suavidade. Na política, ecoou a serenidade de Tancredo Neves e Fernando Henrique Cardoso, dois mágicos, capazes de fazer com que as crises entrassem grandes e barulhentas em seus gabinetes e saíssem menores, em surdina.
De bem com a própria vida, Carlos Ayres Britto melhorou a dos outros.
Um comentário:
Ao contrário do politiqueiro maquiavélico Tancredo e o poço de vaidades chamado FHC, a comparação com o divino Delegado dá ao Ministro Ayres Britto o status de ser a principal referência de seus pares e cuja simplicidade ilumina a todos que o conheceram.
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