domingo, 25 de novembro de 2012

Cartas de Buenos Aires: A guerra dos Roses



Em uma das cenas mais emblemáticas do filme “A guerra dos Roses”, de 1989, Kathleen Turner e Michael Douglas ficaram pendurados num lustre, no que seria o cume (literal) de um divórcio feito com muita sujeira e barraco. Do auge do casamento em ruínas, são confrontados pelo fracasso de sua relação e uma guerra é travada dentro da própria casa.
Dizem que o falecido Néstor Kirchner viu com simpatia a ascensão do caminhoneiro Hugo Moyano na Central Geral dos Trabalhadores (CGT), que congrega boa parte da força de trabalho do país.
É mais que isso - Kirchner precisava, naquele momento, do apoio da massa trabalhadora. Reza a lenda que o marido da atual Presidenta Cristina Fernández de Kirchner surpreendeu-se, posteriormente, com a ambição de Moyano. Essa relação entre Moyano e o kirchnerismo foi deteriorar-se de vez nesse ano, já que, em vida, Néstor falhou em cortar-lhe as asinhas.
Desde então, a viúva Cristina e o líder sindical vêm travando uma guerra campal nas ruas de Buenos Aires pelo controle do país. É um casamento desfeito que termina mal.
Na última terça-feira, Moyano conseguiu, em mais uma demonstração de força, parar Buenos Aires. Conseguiu fechar bancos, boa parte do comércio, parar trens e algumas linhas do metrô, cancelar voos e deixar certas zonas da cidade vazias, com ares de fim do mundo. O objetivo era pressionar o Governo a revisar o piso salarial de seus trabalhadores.
É a segunda vez, esse ano, que Moyano põe a cidade em clima de possível Armageddon. Em junho, conseguiu congregar milhares de pessoas na Plaza de Mayo e deixou todos com medo de desabastecimento de comida, gás e gasolina.
Na ocasião, disparou fortes críticas a Presidenta, enquanto ela, simultaneamente, inaugurava uma planta de processamento de porcos em San Luís. Coincidência suína? Em seu discurso, ela chegou a dizer que, passando por uma porquinha que alimentava seus filhotes enquanto eles brigavam por uma teta livre, pensou: “Os porcos são como as pessoas, também lutam por liderança”, uma clara mensagem ao sindicalista.


Para se ter uma ideia de como essa relação com o Kirchnerismo foi azedando com o tempo, basta relembrar as palavras de Moyano sobre Néstor, quando ele faleceu, em outubro de 2010: “Depois de Perón e Evita, ninguém fez tanto pela Argentina quanto ele”.
Durante a greve, em declarações à imprensa local, o líder sindical voltou a citar Evita Perón, dessa vez para cutucar a Presidenta: “Onde estão os trabalhadores, está a pátria”. Cristina se defendeu dizendo que não responde a ameaças.
Pelo visto, é mesmo um divórcio peronista, desses bem barulhentos. 

Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu ultimo dia na capital argentina. Estará aqui todos os sábados.

Um comentário:

Alberto disse...

A Argentina tem razões que a própria razão desconhece.