Mesmo sem reconhecimento oficial, preferência de Dilma Rousseff pelo democrata é clara; mas atenção dedicada ao país decepcionou
BRASÍLIA — A definição do ocupante da Casa Branca nos próximos quatro anos mexe com interesses do mundo inteiro. Numa série de reportagens, O GLOBO mostra as expectativas dos principais países afetados pela escolha entre Barack Obama e Mitt Romney. Para o Brasil, apesar da disposição para estreitar laços com a América Latina, um governo republicano significaria tensões mais óbvias na política externa.
Embora não reconhecida oficialmente, a preferência do governo brasileiro pela continuidade de Barack Obama é clara. E os assessores da presidente Dilma Rousseff não escondem isso. Há uma avaliação de que, tradicionalmente, o Brasil tem mais afinidade com governos democratas do que com republicanos, considerados mais conservadores. Para um interlocutor do Palácio do Planalto, a vitória eventual de um republicano criaria situações de tensão mais óbvias na política externa.
Mostra da predileção por Obama foi um ato falho cometido pela presidente Dilma em abril deste ano, notado por pessoas próximas e pela mídia americana, quando se realizou reunião bilateral entre ambos, em Washington. Num trecho de seu discurso, Dilma saudou “a grande melhoria ocorrida” nos Estados Unidos e, em seguida, revelou seus votos de que Obama continue na Presidência “nos próximos meses e anos”:
— Nós saudamos a grande melhoria ocorrida aqui, nos Estados Unidos. E temos certeza de que isso será uma tônica dos próximos meses e anos sob a liderança do presidente Obama.
As questões que preocupam o Brasil em relação a um eventual governo republicano envolvem, entre outros pontos, o tratamento mais unilateral que o partido costuma dar a temas como Oriente Médio, Cuba, Venezuela e defesa do país.
Apreço pela ONU
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Tovar Nunes, acredita que a convivência entre os dois países atingiu um nível de maturidade em que a alternância de partido na Presidência dos EUA não terá impacto sobre as relações bilaterais. No entanto, admite que, historicamente, o governo brasileiro vem se identificando mais com os democratas.
— A administração democrata mostrou maior apreço pela instituição democrática que é a ONU. Isso foi feito no caso da crise na Líbia, ficamos satisfeitos de saber que a intervenção foi moderada em comparação ao que ocorreu no Iraque e que foi objeto de consulta na ONU. A orientação de Romney é mais distante do Brasil. No plano multilateral, seria preciso mais diálogo para encurtar as diferenças de posições caso venha a ser eleito um republicano.
O Brasil vê com preocupação, segundo diplomatas, uma nova política externa americana que viesse a ampliar o apoio a Israel, em detrimento dos vizinhos. O temor é de uma guinada para soluções militares, ao invés de diplomáticas, na crise da Síria, no Irã e no mundo árabe. A forma como o presidente Obama tem conduzido essas questões e a sinalização de redução do aparato militar e retirada de tropas do Iraque e do Afeganistão agradam ao governo brasileiro.
Outro ponto que incomoda o Brasil nos republicanos é a ênfase acentuada em gastos militares. Há uma percepção de que o foco em defesa aumenta a tensão entre os países e, consequentemente, desestabiliza os esforços diplomáticos para solução de problemas.
Além do Oriente Médio, preocupa a questão de Cuba, tema ressaltado porDilma na abertura da 67ª Assembleia Geral da ONU em Nova York, este ano:
— Cuba tem avançado na atualização de seu modelo econômico. E para seguir em frente, precisa do apoio de países próximos e distantes — afirmou, repetindo o discurso de seus antecessores de que é necessário suspender o embargo econômico ao país.
Contra uma nova Alca
O governo ressalta que o Brasil está em uma posição de reincorporação de Cuba no sistema interamericano, com sinais de abertura vindos da ilha que têm sido bem recebidos pelos Estados Unidos. Com Romney, isso mudaria. O candidato cita Cuba e Venezuela como países que estão “liderando um virulento movimento bolivariano antiamericano pela América Latina, que busca enfraquecer a governança democrática e oportunidade econômica”. E critica Obama por flexibilizar regras, sem maiores mudanças no regime.
Na área econômica, a sugestão de Romney de estreitar os laços comerciais com a América Latina é vista como tentativa de ressuscitar a proposta da natimorta Alca, combatida pelo Brasil. O tratamento que a Embraer — menina dos olhos do governo brasileiro — recebeu de republicanos deixou sequelas. Por iniciativa de um integrante do partido, foi cancelada uma concorrência das Forças Armadas que havia sido vencida pela Embraer. O processo foi retomado, mas permaneceu o desagrado.
Há uma percepção de que as relações econômicas não devem variar conforme o partido. A presidente Dilma já criticou a política monetária expansionista que Obama adotou para combater a crise, que desvaloriza o dólar e torna os produtos brasileiros menos competitivos. A avaliação é que democratas tendem a defender maior intervenção do Estado, mas que republicanos também adotam medidas para favorecer o público interno em questões econômicas.
Mesmo que esteja à frente na preferência do alto escalão brasileiro, a satisfação com Obama não é plena. Havia uma expectativa que não foi cumprida. No início do governo Dilma, Obama fez visita de cortesia, foi à sua casa no Alvorada, trouxe família e fez declarações amistosas. Mas poucos programas tiveram um desenvolvimento satisfatório. O fato de não ter ficado ao lado do Brasil na crise política no Paraguai, que resultou no impeachment do presidente Fernando Lugo, feriu sensibilidades.
No entanto, ao menos três questões de interesse do Brasil foram resolvidas: a expedição de vistos —o Brasil ultrapassou a China em número de vistos para os EUA —, o acordo entre as empresas Boeing e Embraer, e o fim do subsídio ao etanol, promessas de Obama que foram cumpridas ao longo de sua gestão.
— Apesar de alguns pontos não terem evoluído com Obama, podem-se fomentar expectativas de que, em um segundo mandato democrata, haverá maior avanço em temas caros ao Brasil, como a flexibilização em relação a Cuba, por exemplo. E existe a questão pessoal, é mais fácil trabalhar com uma equipe que já é conhecida — aponta Tovar.
Sem resquício ideológico
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington, acredita que a relação direta entre Brasil e EUA pouco irá mudar, independentemente do partido que ganha as eleições:
— Os dois países mantêm uma relação correta, não de algo a mais.
Para o embaixador, não vai haver diferença nas relações comerciais entre os dois países caso um republicano passe a ocupar a Presidência após as eleições. Barbosa menciona o fato de Romney ter defendido durante os debates o livre comércio com a América Latina, proposta que, historicamente, enfrenta resistência de países como Brasil, Argentina e Venezuela. Alega, entretanto, que dificilmente os republicanos levariam a proposta adiante.
— Além de já ter havido o fracasso da Alca, os EUA não podem conceder o que os países latinos querem: o fim dos subsídios aos produtos agrícolas e a abertura para os manufaturados. A afirmativa de Romney é muito mais para consumo interno — observa.
O embaixador afirma que, nos eixos de tensão da política externa americana pode ser notada alguma diferença entre os governos dos partidos democratas e republicanos. Residualmente, a postura americana em relação a Cuba ou Israel poderia afetar o Brasil, mas em menor proporção do que ocorreu na época do ex-presidente Lula, acredita Barbosa.
— Com Dilma Rousseff, eliminou-se o resquício ideológico nas questões de política externa, um fator que gerou tensão no governo Lula por conta da questão do Irã. Então, hoje, mesmo que um republicano ultraconservador de direita como Romney seja eleito, muda pouca coisa para o Brasil.
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