Barbosa e Lewandowski voltam a ter discussões ásperas durante cálculo das penas dos réus
BRASÍLIA - Na quadragésima-primeira sessão de julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, os ministros do STF já condenanaram o réu Marcos Valério a pelo menos 40 anos, um mês e seis dias de prisão, com o pagamento de R$ 4, 343 milhões de multa. O cálculo ainda é parcial, visto que ainda faltam sentenças relativas a crimes de corrupção ativa e evasão de divisas.
Neste segundo dia de dosimetria das penas dos 25 réus condenados, o ministro Joaquim Barbosa retomou seu voto sobre Marcos Valério. Mas em um dos casos de corrupção ativa, primeiro a ser considerado na sessão de hoje, o relator sofreu sua primeira derrota nesta parte do julgamento. A proposta do ministro revisor Ricardo Lewandowski, de pena de três anos, um mês e dez dias, mais 30 dias/multa, foi acolhida pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram com o revisor os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello; com o relator, seguiram os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Melo e Ayres Britto.
A sessão foi iniciada com um pronunciamento do advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, que argumentou sobre as penas e agravantes atribuídas até agora ao réu. Seguiu-se um rápido debate entre os ministros, no qual pelo menos dois deles afirmaram que podem rever seus posicionamentos até o fim do processo.
— Desejo ressaltar visando pacificar espírito que a proclamação é parcial; reservei-me a votar na problemática e também estarei a refletir sobre o alcance da agravante do 62 inciso 1 quando considerada esta agravante no crime que teria sido o crime gerador das demais práticas - ressalvou Marco Aurélio. - É algo para mim em aberto.
O decano Celso de Mello também se pronunciou no mesmo sentido:
— Nesta mesma linha quero enfatizar que as questões delitivas serão por mim analisadas no final, no que se refere à nova redação dada que foi estabelecida pela reforma processual penal de 2008 — disse o ministro. — Apenas suscitei a questão sem adotar uma posição específica e é certo que estes aspectos serão apreciados por todos nós.
Bate-boca marca sessão
A sessão está sendo marcada pelo intenso debate entre relator e revisor do processo. Logo no início, os ministros Joaqum Barbosa e Ricardo Lewandowski divergiram quanto à data da consumação do crime de corrupção ativa. Para o relator, deve ser considerado o dia do pagamento dos valores. Para o revisor, porém, prevalece a negociação e a promessa do dinheiro que seria pago. A definição da data é importante para saber se os ministros devem ou não levar em conta a nova redação de um artigo do Código Penal que trata do tema.
— O ato de ofício ocorreu antes da mudança legislativa. A empresa foi selecionada sem qualquer processo licitatório e recebeu o montante de R$ 73 milhões. — relembrou Lewandowski. A licitação teria sido fraudada antes da alteração legislativa. A primeira vantagem indevida deu-se em maio de 2003. A meu ver, incide a redação original do Código Penal com relação à corrupção ativa.
Em outro momento, o revisor também argumentou que era preciso ter “razoabilidade e proporcionalidade” na estipulação das penas:
— Não podemos ficar mecanicamente a calcular as penas crimes por crimes. Nesta somatória das penas vamos chegar a uma pena estratosférica.
Joaquim Barbosa respondeu, nervoso:
— Minha lógica não é a de V. Excia. E V. Excia. sabe muito bem disso! Eu não barateio crime de corrupção.
E dirigindo-se aos outros ministros, que tentavam contemporizar a divergência, advertiu:
— Ele planta agora o que quer colher depois!
— Apenas suscitei a questão sem adotar uma posição específica e é certo que estes aspectos serão apreciados por todos nós.
Mais tarde, novo embate: após aprovação pela maioria da proposta de dosimetria feita por Lewandowski, o ministro Barbosa fez considerações sobre o parâmetro adotado nos votos:
— Tenho duas observações a fazer, sem deixar de revelar meu desgosto. Recentemente, um grande jornal dos EUA publicou nosso julgamento dizendo que por vezes nosso sistema penal é risível. Veja, estamos aqui a discutir sobre a pena a ser aplicada a um homem que fez o que fez e que na prática ele não cumprirá seis meses, quatro no máximo.
— Vossa Excelência não leva em consideração a somatória? Ele está sendo julgado por diversos outros crimes. Isso é um sofisma. Nos meus cálculos, já passam de duas décadas... Acha pouco? — rebateu o revisor.
— Eu tenho certeza, ele não cumprirá mais de seis meses esta pena. Vossa Excia. está representando o réu? — insinuou Barbosa.
Não. — respondeu novamente Lewandowski. Vossa Excelência faz parte da promotoria?
— Vossa Excelência está sempre defendendo! — desabafou o relator.
Com o impasse, o presidente Ayres Britto tratou de botar ordem na casa:
— Ninguém advoga pra ninguém aqui.
Na volta do intervalo, ao retomar a leitura de seu voto, Barbosa pediu desculpas a Lewandowski pelos “excessos” cometidos - de pronto aceitas pelo revisor.
No crime de lavagem, após empate entre as proposições de relator e revisor, houve novo impasse entre os ministros: alguns deles defenderam a média das penas, outros dizem que a menor pena deveria ser levada em conta. Acabou prevalecendo a decisão mais favorável ao réu.
Ao invés de condenarem Marcos Valério a penas individuais para cada uma das 46 operações de lavagem de dinheiro realizadas, como pedia o Ministério Público, tanto relator quanto revisor condenaram por somente uma operação e em relação a outras, consideraram que formavam parte de uma "continuidade delitiva" e por isso a pena teve aumento de 2/3. Segundo especialistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Código Penal prevê tal conclusão quando há crime continuado, isto é, quando são praticados mais de um crime da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, maneira de execução e outras semelhantes. Nesse caso, o Código Penal diz que se deve aplicar a pena somente de um dos crimes e que esta pena seja aumentada de 1/6 a 2/3.
Valério cumpirá ao menos 11 anos de prisão
Ontem, na primeira sessão dedicada às penas, os ministros não conseguiram terminar de calcular sequer a do primeiro réu: o operador do esquema, Marcos Valério. Foram imputadas penas a somente três dos nove crimes pelos quais ele foi condenado.Mesmo assim, Valério já tem sobre os ombros 11 anos e oito meses de reclusão, o suficiente para colocá-lo no regime fechado de prisão. Ele também já foi condenado a pagamento de multa de R$ 978 mil. A cifra foi fixada em valores da época dos ilícitos e será corrigida na época da execução.
Em nenhum dos casos examinados Valério pegou pena mínima, mas também não recebeu a máxima. Pela lei brasileira, penas de prisão superiores a oito anos devem ser cumpridas em regime inicialmente fechado. Se o relator seguir a ordem da denúncia, após Valério, o próximo a ter a pena dosada será Ramon Hollerbach.
A expectativa de Joaquim Barbosa era terminar a dosimetria na quinta-feira, e por isso convocou a sessão extra de terça-feira. O relator viaja para a Alemanha no próximo fim de semana para tratamento médico e só retorna a partir do dia 5 de novembro.
Ontem, o presidente do tribunal, Ayres Britto, minimizou as dificuldades no cálculo das penas e disse que o ritmo será dado pelo relator. Indagado se será possível terminar o julgamento na quinta-feira, ele reafirmou que foi o próprio Barbosa quem disse que seria possível. Se não der, Britto informou que o STF retomará o julgamento após a volta do relator.
O tribunal deixou para decidir no fim se o réu restituirá aos cofres públicos o dinheiro desviado e se os deputados federais condenados perdem o mandato.
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