segunda-feira, 30 de julho de 2012

O jogo de João Emanuel Carneiro em 'Avenida Brasil' - Patrícia Kogut



Numa entrevista recente para a jornalista Maria Lúcia Rangel, João Emanuel Carneiro contou que, quando criança, gostava de destruir e reconstruir seus brinquedos. Assim é com “Avenida Brasil”. Desde a estreia, o público vem acompanhando atento cada passo da vingança da enteada maltratada pela madrasta na infância. Em qualquer outra novela, o enredo caminharia naturalmente para a grande revanche no último capítulo. Não foi assim com essa história. Bem antes disso, no meio do caminho, o autor desconstruiu seu brinquedo e virou o jogo. Na última semana, o estratagema de Nina-Rita (Débora Falabella) foi descoberto. A megera Carminha (Adriana Esteves) então partiu para um contra-ataque eletrizante, mas que, no fim das contas, se mostrou ineficaz. A garota voltou da cova pronta para tudo. Ou seja, bem antes de seu desfecho, na hora da brincadeira armada, o autor zerou tudo.
“Avenida Brasil”, ninguém pode dizer o contrário sem ser injusto, não economiza história e é cheia de surpresas. Nos últimos dias, vimos um revezamento de papéis que funciona como uma violenta puxada de tapete para o olhar daquele público já treinado para ver novelas. Carminha e Rita embarcaram num jogo de poder ainda não experimentado. Ora uma tiraniza, a outra se submete; ora tudo se inverte. Antes da última terça-feira, ninguém tinha visto Carminha submissa nem Nina dando as ordens. Para as atrizes, tudo também é inédito. João Emanuel me contou que, antes das sequências da virada, ligou para ambas, e conversou bastante. É de se imaginar que ele tenha transmitido o segredo da quebra dos brinquedos e de sua posterior reconstrução, um treinamento que vem fazendo desde a infância. Como Freud existe, a novela tem até seu hospital de brinquedos. 
Quebrar e refazer, neste caso, são gestos bem complexos, porque é preciso manter íntegra a coluna vertebral dos personagens ou a história se perde. Carminha é uma obediente circunstancial. Continua uma víbora. Nina se mantém a mesma, só que numa posição mais favorável. Esse, aliás, é um pecado comum nos folhetins: personagens se corrompem totalmente, começam de um jeito e terminam totalmente irreconhecíveis. As consequências para a credibilidade são grandes.
“Avenida Brasil” não é definitivamente uma história que se arrasta até um último capítulo, bem mais emocionante que aqueles que passaram. Resta saber agora que brinquedos o autor vai despedaçar para colar de novo de outro jeito.

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