A cassação do mandato do hoje ex-senador Demóstenes Torres veio com a rapidez que o caso lamentavelmente merecia. Como punição, foi exemplar; o tempo vai dizer se o exemplo terá efeitos duradouros sobre a qualidade dos quadros legislativos.
O eleitor vota em promessas que ouviu e o passado que conhece dos candidatos — e isso quando tem acesso, por assim dizer, às suas folhas corridas. Só no caso de quem disputa uma reeleição a decisão pode se basear na qualidade do desempenho. Ainda assim, em grande número de casos, as informações sobre essa qualidade são fornecidas pelos próprios candidatos. Acusações e denúncias de outros concorrentes têm efeito relativo: o eleitor sempre pode desconfiar que não passem de lorotas de campanha.
Os cidadãos goianos talvez não tenham muita facilidade para escolher nas próximas eleições um substituto para Demóstenes que tenha, digamos assim, um diferente perfil político e moral.
Entre outros motivos, porque, no dia seguinte à perda do mandato, ele reassumiu o cargo de procurador de Justiça no Ministério Público de Goiás. O que, pelo menos para um leigo, é espantoso, mesmo que seja inteiramente legal. Então, ele não pode ser senador mas pode manter alta função no Judiciário? É bem capaz que o eleitor goiano conclua que Demóstenes foi vítima de uma cassação com motivos políticos e não morais. O que será um equívoco lamentável.
É verdade que Demóstenes ainda tem problemas sérios pela frente. O Ministério Público iniciou na semana passada uma reclamação disciplinar — nome ameno, digamos assim, para uma investigação a propósito de graves acusações. No caso a de que o ex-senador seria o principal operador político do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Por "operador político" entenda-se cúmplice.
Lamentavelmente, essa "reclamação" pode se estender por 240 dias. A memória do eleitor não costuma ir tão longe. Não é difícil imaginar um cenário em que o procurador Demóstenes tenha influência considerável na escolha de um substituto para o senador Demóstenes.
E continue a fazer política em Goiás. Talvez, apenas com o cuidado de manter com mais discrição suas relações — politicamente incestuosas — com o bicheiro Cachoeira.
Políticos e juristas preocupados com tudo isso poderiam, pelo menos, iniciar estudos e debates que produzam uma novidade no sistema jurídico: algo que impeça a cidadãos oficialmente investigados e/ou processados por delitos sérios continuarem a exercer funções de alta importância no Ministério Público. Ou em qualquer outra área do Estado. Para fechar a brecha que hoje beneficia o amigo do bicheiro.
Um comentário:
O excelente jornalista interpreta à perfeição a nossa perplexidade ante a "legalidade" desse surpreendente esquema em que se consegue despir o infecto Demóstenes das vestes senatoriais para que ele, automaticamente, se cubra da beca e capelo da Promotoria Pública. E não há nada que fazer senão esperar duzentos e tantos dias para...É mesmo de desesperar!
Postar um comentário