quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

As Gralhas Enfurecidas (018)

A secretária fingiu que não entendeu:
- Consulta médica, às onze horas da noite ?
- É, Suzana, é a única hora livre dela.
Mercedes resolveu fazer o jantar em casa. Luiz Felipe sentiu-se como um adolescente, entrando, pela primeira vez na casa da namorada... não levou um ramo de flores, mas entregou duas garrafas de vinho italiano, da mesma marca que vira Mercedes devorar na festa de aniversário de sua amiga.
Na sobremesa, com o segundo Valpolicello já pela metade, Mercedes, com uma voz deliciosamente enrolada, apresentou seu relatório sobre as candidatas ao namoro.
- Onde é que você arrumou aquelas mulheres ? Deus me livre, como falam. Olha que meus colegas dizem que eu falo demais, mas as suas amigas... Pareciam umas gralhas enfurecidas.
Luiz Felipe concordou e disse que elas, certamente, estavam se exibindo, mas não informou que a dermatologista era a gralha chefe, que, realmente não tinha parado de falar nem quando foi para a cama com ele... Não, não seria correto acrescentar esta informação.
Finalmente, Mercedes emitiu seu longo parecer e concluiu:
- Em suma: se você quer se chatear pelo resto da vida, fique com a professorinha de química... ela é muito chatinha...a psicanalista é aquilo mesmo, ou seja, uma psicanalista, e acho que você já lidou demais com este gênero em toda a sua vida.
Luiz Felipe pensou na dermatologista mas achou que Mercedes não falaria sobre ela porque, afinal, não estava sequer inscrita no concurso.
Enganou-se:
- Agora, a viúva assanhada...
Ricardo, o filho temporão de Mercedes, do alto da ingenuidade de seus treze anos, apareceu na sala e perguntou à mãe se Luiz Felipe era o novo namorado dela. Falaram, então, sobre filhos e a viúva assanhada foi esquecida.
Encerraram a noite com vinho do Porto e às duas da madrugada Luiz Felipe, mais ou menos bêbado, estava na casa da viúva assanhada, que o esperava desde as dez, com uma deliciosa torta de abóbora a qual, ela afirmou, era bom para curar a ressaca, depois do jantar de negócios que ele disse que tivera...
No dia seguinte, chegou ao escritório às dez horas, cansado, com sono e de ressaca, culpando a torta de abóbora. Ligou o micro, conectou a Internet e, desanimado, viu que tinha cento e quarenta e três mensagens para responder.
A primeira vinha de uma tal rosangela@ion.com.br e transcrevia uma nota do jornal sob o título “odor que excita”, na qual o pesquisador chefe da Fundação de Pesquisas do Cheiro e Sabor, de Chicago, declarava que o que tirava as mulheres do sério era o odor de pepino, talco infantil e doce de anis. Quanto aos homens, escrevia o Doutor Alan Hirsch, o que mais excitava o pênis era o cheiro da torta de abóbora.
Luiz Felipe apertou a tecla do responder e sugeriu a Rosângela que no próximo encontro ela o esperasse fantasiada de abóbora, informando que ele iria vestido de pepino. E acrescentou que, se depois de tudo, ainda se sentissem insatisfeitos, poderiam comer um ao outro.
Adiou as respostas às outras mensagens porque havia trabalho mais urgente a ser feito. O projeto da agência havia sido finalmente entregue e Luiz Felipe tinha que examiná-lo para expor suas primeiras impressões na reunião que teria no final da tarde, com Ernesto Fialho e Mauro Cardoso.
Como acontecera em outras oportunidades, a GLS não estava utilizando a agência de publicidade encarregada de sua comunicação permanente, seja nas revistas, nos jornais, na TV, nos out-doors, nas ruas e nos estádios de futebol. Para campanhas específicas, o projeto era sempre entregue a outra agência, escolhida pelo Comitê de Marketing.
A agência escolhida fora a Mark and Spencer e a responsável pela campanha era uma mulher que, segundo Mauro, fizera uma carreira meteórica na empresa, destacando-se em campanhas muito boas para uma rede de supermercados e no lançamento de uma nova marca de cigarro.
- O Charles, o sócio principal, me contou que depois que ela ficou viúva, o trabalho se tornou uma verdadeira obsessão. A gente sempre subestima essas mulheres, vocês não acham ?
Luiz Felipe pensou na sua psicanalista e em sua observação de que ele, não tendo casado, vivia cercado por mulheres. A dentista, a professora de italiano, a psicanalista. E, agora, o profissional de publicidade, com quem passaria a tratar sobre o projeto de divulgação das novas plataformas da GLS era, também, uma mulher.
Foi para o bar que sempre freqüentava quando queria pensar na vida e decidir que não decidiria coisa alguma...
Bebeu três doses de uísque e, pelo celular, telefonou para Rosângela, mas desligou antes que ela atendesse. Achou que se fosse para a casa dela, acabariam na cama e Luiz Felipe não sentia a menor vontade de fazer sexo, como, aliás, sempre acontecia depois de três uísques, e das duas cervejas tomadas antes, ainda no escritório, no final da reunião. Então, telefonou para Mercedes. Ela ainda era, por enquanto, a amiga com quem gostava de conversar, a amiga com quem ainda mantinha, por enquanto, um relacionamento platônico, o que quer que isso pudesse significar.
Ricardo, o filho temporão, atendeu e transmitiu o recado:
- Minha mãe está na casa da minha avó.
Pensou em Rosângela. Pagou a conta, telefonou-lhe, e seguiu para Copacabana, com muita esperança de que tivesse sobrado um pedaço da torta de abóbora e de que ela conseguisse eliminar o efeito nefasto das doses de uísque que perambulavam ameaçadoramente em seu cérebro.
Luiz Felipe chegou outra vez atrasado ao escritório, mas não estava sentindo os efeitos da bebida da véspera, quase acreditando que a torta de abóbora, além das qualidades divulgadas pela Fundação de Pesquisas do Cheiro e Sabor, de Chicago, era mesmo bastante eficiente na cura de ressacas, como dissera sua namorada dermatologista.
Teresa, a publicitária da Mark and Spencer, chegara há meia hora, acompanhada por Paulo César, o Diretor de Artes da agência, uma figura estranha, usando suspensórios cor de rosa e uma ridícula gravata borboleta da mesma cor, sobre uma camisa preta. Era assim que se vestiam os Diretores de Artes das agências de publicidade ?
Teresa estava fazendo uma magnífica apresentação do projeto de divulgação, usando um sofisticado programa de computador, mas Luiz Felipe já não estava prestando atenção. Um pequeno gesto do Diretor de Artes, arrumando o laço da gravata, provocou-lhe uma sensação de “déjà-vu” e ele concluiu que, efetivamente, já o tinha visto, usando não necessariamente a mesma gravata, mas certamente uma outra, de igual mau gosto. Onde ? Quando ?

Terminada a apresentação, Luiz Felipe informou que examinaria toda a papelada e que faria algumas correções, porque havia alguns erros de ortografia no texto.
- Não sei se foi proposital, ou seja, se é um artifício publicitário, mas “atraso”, se não houve um novo acordo ortográfico entre Brasil e Portugal, nesta madrugada, se escreve com esse. É uma pequena falha...
Teresa sabia que a GLS podia vir a se tornar uma importante conta para a agência. Era preciso ser profissional.
Dirigiu-se ao seu colega Paulo César:
- É uma vergonha nós chegarmos aqui sem o texto bem revisado. Paulo César, lembre-me, por favor, para falarmos com o Floriano.
Luiz Felipe passou mais algumas folhas e voltou a atacar:

- Outra coisa, Teresa, apresentar a plataforma de cálculos aos corretores com essa frase... é de uma criatividade nota menos três.
E leu a frase, imitando o locutor da TV, encerrando o jornal das oito:
- Corretor: calcule o que nós podemos fazer por você!
O Diretor de Artes também sabia da importância daquele encontro. Ele tinha perfeita consciência do que a conta da GLS Seguros, mesmo na contratação de campanhas temporárias, poderia representar para a agência em termos de faturamento e de prestígio, mas também sentia-se protegido pelo Diretor de Marketing, que era o chefe do chefe de Luiz Felipe, e achou que não precisava ficar tão calado quanto Teresa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mal posso esperar pelo próximo capítulo.É óbvio que o Luiz Felipe também vai transar com a Teresa. Mas, será que também vai encarar o Paulo César ? Tá ficando quente essa novela !
Parabéns.