Três últimos capítulos publicados:
022 - em 17/12
023 - em 19/12
024 - em 21/12
___________________________________________________
Quando Luiz Felipe acordou, não encontrou Teresa. Em seu lugar, sobre o travesseiro, havia um bilhete convidando-o a ver uma mensagem no word. Ele, que horas atrás tinha representado muito bem o papel de Bill Gates, ficou olhando para o micro e a imagem que via no espelho era a de um burro olhando para o palácio. Lembrou-se de Luísa olhando para o motor do Karman Ghia enguiçado. Como estaria Luísa ?
Pedro Rosenbaum fora muito paciente ao lhe ensinar o que chamou de princípios básicos, mas falara, como sempre, no seu idioma preferido, o informatiguês e, como não havia tradução simultânea, Luiz Felipe tinha guardado muito pouco do que ouvira. Talvez houvesse necessidade de um upgrade de memória em seu cérebro. Certamente ele sabia ligar o micro, e abrir o word... mas onde estava a mensagem de Teresa ?
Afinal, por que ela não fizera como nos filmes hollywoodianos, e não deixara, pura e simplesmente, o recado escrito com batom no espelho? Lembrou-se de Gabriel Garcia Marques e decidiu que, quando tivesse tempo, escreveria um livro, cujo título já estava escolhido: o amor nos tempos da informática.
Tentou. Apertou teclas, confundiu-se com setas que apontavam para todos os lados, abriu e fechou aplicativos, sem saber se estava abrindo ou fechando, passeou por lugares estranhos, respondeu a inúmeras perguntas da máquina e decretou que ela era estúpida, ou surda, porque pedia sempre confirmação das respostas. Num certo momento, achou que tinha destruído o micro porque uma frase no monitor falava qualquer coisa sobre erro fatal. Irritado, desligou o trambolho, já arrependido de tê-lo comprado, mas ligou-o outra vez, recusando-se a admitir que ia ser derrotado por um monte de sei lá o quê.
Começou tudo outra vez, tomando cuidado para não pressionar o delete, como Pedro Rosenbaum enfatizara e, finalmente, quando estava quase aceitando a fragorosa derrota, sem saber como, viu que o burro tinha conseguido entrar no palácio e ler a mensagem de Teresa:
“Espero que você tenha gostado tanto de transar com uma publicitária, como eu gostei de transar com um securitário...” .
Havia dois PS:
“PS1: Você parece um trapalhão. Fiz café, está na garrafa térmica sobre a pia”.
“PS2: Se você acha que esta mensagem pode vir a lhe comprometer com suas amiguinhas, avise-me e na próxima vez eu elimino”.
Luiz Felipe esperava que, como no antigo seriado da TV, a mensagem se autodestruiria em dez segundos, mas concluiu que, ou seu micro não possuía este recurso, ou, o que era mais provável, Teresa não se utilizara dele porque ela queria voltar, escrevera “na próxima vez”, e, sem dúvida, decidira que esta não seria uma missão impossível.
Sentia-se atordoado. O programa fora muito bom, nunca imaginara que, em tão pouco tempo, conseguiria ter a executiva da Mark and Spencer em sua cama.
Mas o chato do núcleo neurótico que havia retornado das férias, estava dizendo que ele estava se metendo em uma enrascada muito grande...
- A Teresa é a executiva da agência, disputando uma importante conta e é você que vai emitir um parecer para seu Diretor que, certamente, aprovará, sem alterar uma vírgula e, provavelmente, nem se vai dar ao trabalho de ler, nem o texto, nem o parecer. Acho que você vai se complicar nesta história...
Luiz Felipe ignorou-o, porque estava imaginando Teresa recebendo uma carta-pesquisa expedida pelo BB lindo, do controle de qualidade da GLS... ela escreveria que o serviço tinha ficado acima da expectativa e que o prestador tinha sido muito eficiente, e que certamente ela o utilizaria outra vez.
O núcleo neurótico riu.
Luiz Felipe continuou sua excursão pelo maravilhoso mundo novo, colocou no ar seu telefone celular, pôs um sanduíche misto para esquentar no microondas e disparou as gravações da secretária eletrônica. A Voz do Brasil entrava no ar... Suzana, a secretária de carne e osso, muito mais carne do que osso, demonstrava na quinta ligação todo seu desespero por não encontrá-lo.
Luiz Felipe deu-se conta de que não telefonara para o escritório mas, afinal, os acontecimentos do dia justificavam seu esquecimento. Foi para o chuveiro imaginando o que seus colegas diriam, se ele contasse...
Entrou em sua sala seguido por Suzana que abriu o inseparável bloco e perguntou se podia dar os recados.
- Você já deu, Suzana... minha secretária eletrônica ficou rouca de tanto falar... Ligue para o Dr. Mauro Cardoso, o que eu estou fazendo com vinte e quatro horas de atraso.
- O Dr. Mauro Cardoso viajou para São Paulo. A secretária disse que é para o senhor estar lá na matriz, amanhã, às oito e meia. Quer que eu faça as outras ligações ?
Luiz Felipe estava muito excitado e não sentia a menor vontade de falar com os dois Diretores Regionais e mais alguns corretores que tinham telefonado durante o dia.
Mas havia outros recados:
- Eu sei que o senhor vai dizer que eu pareço um repeteco de ontem mas... o senhor pode adivinhar... ligaram a Dona Mercedes, Dona Rosângela e Dona Ana Maria. Aliás a Dona Ana Maria ligou quatro vezes e disse que precisava falar urgente com o senhor.
- Está bem. Não ligue para ninguém, por enquanto.
Luiz Felipe ficou imaginando o que Mauro poderia estar querendo com ele. Provavelmente, falar sobre o projeto da agência de publicidade. Enfim, perguntaria ao Ernesto antes de sair.
As mensagens recebidas via Internet eram as de sempre: pedidos de patrocínio para eventos esportivos ou culturais, solicitações de informações sobre seguros, envios de currículos, comentários sobre a Home Page da GLS, reclamações sobre sinistros, sugestões mirabolantes sobre a atividade de seguros.
Quando Ernesto deu a Luiz Felipe a atribuição de receber e responder as mensagens que chegavam à GLS, via Internet, ele achou que estava aceitando uma missão extremamente complicada.
O computador, a Internet, não eram coisas de sua geração.
Quando começara a trabalhar no escritório de advocacia do Dr. Silas, as petições, os recursos, tudo, enfim, que era escrito, saía de uma máquina de escrever, que nem era elétrica. As datilógrafas terminavam o dia com manchas pretas nas mãos, por causa do papel carbono, ou com pontos brancos nos dedos, por causa dos corretivos. Ninguém tirava cópias numa máquina que se chamava Coca-Cola nem numa máquina Xerox.. A Xerox ainda não se tinha dado ao trabalho de vir para o Brasil.
Os arquivos eram armários enormes, de aço, com gavetas compridas e estreitas que emperravam, e, quando abriam, exibiam fichas de papel amarelado, com anotações que o tempo se encarregava de tornar, cada vez mais, menos legíveis.
Mas, enfim, aprendera tudo, ou quase tudo, com a ajuda de seus colegas, e havia se tornado quase um expert, se não nos domínios da informática, pelo menos naquela atividade de gerenciar o tráfego internético da GLS. E isto, admitia agora, fora muito bom, pois lhe permitira conhecer toda a Companhia, todas as suas áreas, desde os inúmeros Departamentos da Matriz até as seções que se confundiam nos complicados organogramas das vinte sucursais da GLS em todo o país.
Abriu depois seu e-mail particular e encontrou, como acontecia todos os dias, as piadas que Paulo Moraes, seu companheiro na mesa de pôquer lhe enviava, e, naturalmente, como sempre também, uma mensagem de Rosângela, na qual era anexado um arquivo que Luiz Felipe não conseguiu abrir. Não devia ser importante pois Rosângela já conhecia sua incapacidade de abrir arquivos naquela parafernália eletrônica. Provavelmente mais um poema de Vinícius de Moraes... Mercedes estreava na Internet e informava seu endereço eletrônico.
Luísa, de Paris, comunicava o nascimento de Pierre da Silva Godard, fruto de uma produção independente porque o marido a tinha largado para viver com o velho professor do curso de psicologia... Mas ela dizia que estava muito feliz.
- Que bom.
Ana Maria não tinha Internet nem computador... mas, como dissera Suzana, telefonara quatro vezes, dizendo que era urgente.
A última vez que conversara com ela fora no restaurante japonês, há mais de um ano, quando se queixara por ele não a ter levado à festa do aniversário de seu irmão. Tinham se encontrado algumas vezes depois, mas sempre em um motel diferente, e o que menos fizeram nestas ocasiões, como sempre, foi conversar. O que ela poderia querer com tanta urgência ? Será que tomara conhecimento da inauguração de um novo motel ?
Telefonou. Ana Maria precisava encontrar-se com ele e não queria falar pelo telefone. Mas, insistia, tinha de encontrá-lo naquela noite. Luiz Felipe disse-lhe que não podia porque ia jantar com amigos e ela perguntou se estava convidada para o jantar. Luiz Felipe disse que não, porque só estariam presentes colegas do trabalho. Ela disse que ele, mais uma vez, não queria apresentá-la a seus amigos, mas, desta vez, não havia qualquer sinal de irritação em sua voz, como se tivesse querido, apenas, registrar a queixa, sem intenção de iniciar a mesma discussão de sempre.
Combinaram, então, que se encontrariam depois do jantar, na casa dela e ela disse que preferia encontrar-se em um motel. Luiz Felipe, pensando nos uísques que tomaria, e no programa que tivera com Teresa, disse que não, confirmando a ida na casa dela. Ainda tentou saber do que se tratava, mas Ana Maria disse que só contaria pessoalmente. E desligou.
___________________________________________________
Capítulo 26 - Publicação prevista para 26/12
Nenhum comentário:
Postar um comentário