quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Brasileiro ou Português - Jerônimo R. de Moraes Neto (O Globo)

Segundo Douglas Tufano, autor do "Guia Prático da Nova Ortografia" (Editora Melhoramentos), o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16/12/1990, e aprovado no Brasil pelo decreto legislativo número 54, de 18/4/1995, é meramente ortográfico, restringindo-se à língua escrita, não afetando nenhum aspecto da língua falada. O autor afirma ser um passo em direção à pretendida unificação ortográfica dos países de língua portuguesa.
Há diferença entre língua escrita e língua falada ? Partimos da oralidade para a escritura ou da escritura para a oralidade ? Para o renomado lingüista suíço Ferdinand de Saussure, "uma língua encontra sua expressão em uma realidade fônica". Portanto, nós não podemos pensar que existam duas línguas, dois sistemas diferentes, um oral e outro escrito; somente as condições de emissão, pressões de origem social e os recursos por uma técnica, a escritura, podem nos dar esta ilusão. Na realidade, a escritura nada mais é que a sinalização da própria língua.
Esse novo acordo ortográfico desperta nossa atenção para muitos aspectos. No caderno Economia do Globo (18/10/2008), deparamo-nos com a seguinte manchete: "Empurrão para construção civil". De acordo com a nova ortografia, o acento agudo de pára (verbo parar, presente do indicativo) não mais existirá. Analogamente, ao exemplo dado acima, poderíamos dizer: "Crise para construção civil." Conseqüentemente, tal frase, na escritura, ficará ambígua. Não saberemos se a crise vai parar a construção civil ou se existe uma crise que atingirá a construção civil.
Tem mais lógica a manutenção deste acento diferencial na oposição verbo/preposição que em pôr (verbo) e a preposição por, cujo acento circunflexo será mantido. Pior é a supressão do trema como em agüentar, lingüiça, bilingüe, dentre outras palavras. Será difícil, sobretudo para o aluno iniciante, o professor fazê-lo entender o que é ditongo na oralidade e sua ausência na escritura.
Sabemos que, no Português de Portugal, tais palavras acima citadas, bem como lingüítica, ensangüentado, qüinqüenio, cinqüenta, eloqüente, na sua escritura elas não recebem o trema. Por que não prevalecer o inverso, isto é, passarmos a tremá-las como fazemos no Brasil ? Seria mais coerente.
Quando trabalhamos como professor de Português e de Cultura Brasileira em diferentes universidades francesas, desde 1975, a matéria que lecionávamos não era Português, mas Brasileiro. Se levarmos em conta as variações da língua portuguesa falada em Portugal e no Brasil, seja na fonologia, na morfologia, na sintaxe e, sobretudo, na semântica, poderemos dizer que os franceses têm razão. Além disso, no que tange à quantidade de falantes e escreventes da língua portuguesa, é importante dizer que 90 % é brasileira.
Unificaremos a ortografia do Português ou passaremos a falar e escrever o Brasileiro ?
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Jerônimo R. de Moraes Neto é professor da Universidade Fedral do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Rio.
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ENTRE NOS COMENTÁRIOS E DÊ SUA OPINIÃO. VAMOS FALAR E ESCREVER BRASILEIRO ? VAMOS EXIGIR A MANUTENÇÃO DO TREMA ?

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