domingo, 28 de dezembro de 2008

As Gralhas Enfurecidas (027)

Três últimos capítulos publicados:
024 - em 21/12
025 - em 24/12
026 - em 26/12
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Luiz Felipe estava outra vez na Torre e, enquanto o elevador subia ao quadragésimo andar, rezou para que Ana Maria não estivesse na recepção. Ele havia faltado a dois encontros sem sequer avisar e sem também ter se desculpado depois. Eram quase quatro horas, o dia começara conturbado, ele fora repreendido pelo Diretor de Marketing da GLS e só faltava agora ter de enfrentar a fúria, mais ou menos justa, de Ana Maria.
Entrou no escritório e respirou aliviado. Ela não estava na recepção. Poderia estar na sua sala, ele pensou... mas também não estava. Nem tampouco seu nome fazia parte da lista de recados que Suzana, a locutora oficial da Voz do Brasil, lhe recitava diariamente.
Telefonou-lhe, mas não a encontrou. Deixou recado na secretária eletrônica, tentando fazer graça, dizendo que queria comer torta de abóbora. Quando desligou, sentiu-se um velho esclerosado, lembrando que a mulher da torta de abóbora não era ela, mas Rosângela, a viúva assanhada.
Foi à sala de Ernesto, relatou a reunião com Mauro, falando superficialmente sobre o projeto da agência de publicidade. Não disse que tinha sido advertido nem mencionou sua apreensão sobre a relação de Mauro com a Mark and Spencer. Também não comentou as indicações de Mauro para as novas plataformas, esperando que Ernesto lhe comunicasse alguma coisa, o que não aconteceu.
Foi para casa achando tudo muito estranho.
Havia quatro mensagens em sua secretária eletrônica.
José Eduardo queria se encontrar com ele e informou que estaria no mesmo restaurante às dez horas, sugerindo que Luiz Felipe fosse “com alguma de suas mulheres porque eu estarei muito bem acompanhado”.
Mercedes convidava-o para assistir a uma palestra sobre os Juizados de Pequenas Causas...
Rosângela dizia que há mais de dez dias eles não se encontravam e que ele ligasse de volta logo que chegasse.
Finalmente... Ana Maria, dizendo que se ele não ligasse até dez horas, ela faria o que nunca tinha feito, ou seja, iria ao seu apartamento.
Ele não estava disposto a ouvir a lengalenga de José Eduardo e nem um pouco interessado em conhecer quem quer que fosse que o estivesse acompanhando. Também não queria encontrar-se com Rosângela, nem comparecer a mais uma palestra do advogado colega de Mercedes. Na realidade, concluiu, o que estava querendo mesmo era encontrar-se com Teresa, para conversar sobre a questão Mauro e Mark and Spencer, tentar saber por que Mauro dissera que era importante para ele que a agência fizesse um bom trabalho.
Mas não poderia deixar de telefonar para Ana Maria. E resolveu fazê-lo logo, antes que ela aparecesse, tocando a campainha com a mesma violência com que deixara seu recado.
Quem atendeu foi Sérgio, o filho de Ana Maria:
- Mamãe acabou de sair e mandou dizer que foi para sua casa.
Luiz Felipe ficou apreensivo. Em todo o tempo do relacionamento com Ana Maria ela nunca fora a seu apartamento porque achava que isto seria constrangedor, se o filho soubesse. Agora ela estava chegando e deixara esta informação com o filho. Lembrou-se da psicanalista, disse para si mesmo que idealização era véspera de esculhambação, preparou uma dose de uísque e ligou a TV.
Começava mais um programa da série idiota em que o telespectador escolhia o final. Não, ele não assistiria. Já tinha que decidir muitas coisas em sua vida. Apertou o botão do controle e verificou que as tevês por assinatura estavam fora do ar. Voltou ao canal convencional.
Um importante executivo de meia idade entregava uma enorme quantia à amante porque o irmão, envolvido com traficantes, precisava pagar a dívida para não ser assassinado. Naturalmente, o irmão não era irmão, mas o amante mais jovem, e nem havia traficantes... e os dois fogem para Cancun... Luiz Felipe não quis esperar o final, desligou no primeiro intervalo comercial e ia colocar um vídeo quando a campainha tocou.
Ana Maria chegou reclamando do trânsito, da demora do porteiro para abrir o portão e já estava reclamando também da bagunça do apartamento de Luiz Felipe, dizendo que ele precisava casar. Luiz Felipe lembrou-se da tese de Mercedes e perguntou se não seria mais fácil e mais barato contratar uma empregada.
Sentou-se, pediu uma bebida mais leve do que o uísque e Luiz Felipe ofereceu-lhe um guaraná light, dizendo que era a coisa mais leve que tinha em casa.
Ela estava tensa. Ele resolveu ensaiar uma desculpa pelo seu não comparecimento aos dois compromissos, mas Ana Maria não estava prestando atenção.
- Luiz Felipe, não precisa se desculpar. Na verdade, eu também não apareci no japonês.
Afastou o guaraná, pegou o copo de Luiz Felipe e bebeu um gole do uísque.
Luiz Felipe ficou calado, esperando. Aí resolveu ajudá-la:
- A Suzana disse que você queria falar comigo com urgência e, depois, você mesma falou que não podia ser por telefone. E aí ?
Ana Maria tomou mais um gole, disse que estava muito bom e pediu que lhe servisse uma dose. Ela mexeu o gelo com o dedo, viu o paletó de Luiz Felipe sobre a poltrona, a gravata no chão, as meias sobre a mesa e comentou outra vez sobre a bagunça.
Luiz Felipe olhou para o relógio. Estava pensando que talvez ainda fosse jantar com José Eduardo.
Ana Maria percebeu e perguntou se ele tinha algum compromisso. Ele disse que não. Ficaram em silêncio por longos dois minutos.
Ana Maria pegou o cigarro de Luiz Felipe, deu uma tragada e criou coragem:
- Pois é. Luiz Felipe... Eu estou com um problemão e preciso da sua ajuda.
- Pois não, Ana Maria, qual é o problemão ?
Luiz Felipe percebeu que ela estava prestes a chorar.
- O Murilo... você lembra, eu lhe contei... O Murilo, meu ex-marido... Depois daquele enfarte no motel, onde ele estava com aquela menina... Pois é, eu nunca mais tinha tido notícias dele. Agora, uma senhora da congregação religiosa me telefonou. Ela toma conta de uma casa, uma espécie de asilo, onde o Murilo está morando. Ele está velho, você sabe, ele é muito mais velho do que eu, está doente outra vez... uma história muito triste. Sabe, por mim, eu deixava para lá. Você sabe, o que ele fez comigo... Mas tem o Sérgio, meu filho, o filho dele. Ele está sabendo da situação do pai.
Luiz Felipe resolveu interromper para ajudá-la. Perguntou se ela estava com fome, se queria que ele pedisse alguma coisa, informando que havia um restaurante japonês que entregava em casa. Ana Maria acenou negativamente com a cabeça, afastou o copo de uísque e voltou ao guaraná. Já estava chorando.
- Sim, Ana Maria. Fica calma... o Murilo está doente e precisa de ajuda. É isso ?
Sim, era. Ana Maria continuou falando e Luiz Felipe começou a achar que estava havendo muitos detalhes, comprometendo a veracidade da história.
- A Dona Hortênsia, a senhora que cuida do asilo, me disse que ela não pode ficar mais com ele porque ele não paga há muito tempo, está bebendo.... Enquanto ela pode agüentar... Bem, eu fui lá e o quadro é...
Luiz Felipe estava impaciente, o dia não fora fácil e, porque já tinha adivinhado o final da novela, resolveu cooperar...
- Ana Maria, por favor, pare de falar sobre isso. Você está sofrendo. Eu compreendo. Sei que é muito difícil você não ajudar o Murilo por causa, como você bem observou, do seu filho. Afinal, é o pai dele. Tudo bem. Você precisa de dinheiro, é isso ?
- Luiz Felipe, eu já dei o que podia dar. Tirei até da poupança do Sérgio, empenhei aquela pulseira que você me deu... mas agora...
Luiz Felipe preencheu um cheque e entregou-o a Ana Maria. Ela enxugou as lágrimas com um guardanapo de papel e disse que começaria a pagar logo que pudesse. Luiz Felipe ficou pensando até onde ela poderia ir com aquela quantia. Paraguai ou Nova Iorque, para fazer compras, voltar e vender os bagulhos para as amigas ?
Olhou para Ana Maria e, sem nenhuma convicção, convidou-a para jantar. Ela olhou para a cozinha, viu uma frigideira engordurada sobre a pia com alguma coisa parecida com restos de hambúrgueres.
Ana Maria não quis jantar, nem passar a noite no apartamento, porque se o filho soubesse... Luiz Felipe levou-a até o carro e viu-a sair da garagem. Ela parou, abaixou o vidro e disse “Deus lhe pague”.
Luiz Felipe teve a sensação de que ela estava saindo de sua vida. Ela não voltaria. E, certamente, o dinheiro também não.
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Capítulo 028 - Prevista a publicação para 01/01/09

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom dia.
Estou de volta e sem cadeira de rodas, graças a Deus.
Bob, pelo andar da carruagem sinto que sua "novela" está chegando ao fim. Sei que você não gosta de antecipar nada, mas poderia responder a duas perguntas:
1 - As Gralhas vão terminar antes ou depois da novela A Favorita ?
2 - Quando acabar a publicação das gralhas, o que você vai publicar aos domingos ?
Grande abraço,
Hélio.