Obras públicas, monumentos e mobiliário urbano de todo tipo são alvos do vandalismo; órgãos gastam com os consertos cerca de R$ 3 milhões por ano
RIO - “E agora, você? Você que é sem nome, que zomba dos outros”. A pergunta que Carlos Drummond de Andrade faz em seu poema “E agora, José?” nunca foi tão oportuna. Quem é você que zomba dos outros e destrói a cidade? O dono dos óculos mais visados do Rio quer saber. A estátua do poeta, instalada num banco no calçadão de Copacabana, é o monumento mais atacado por vândalos na cidade: em pouco mais de nove anos, Drummond teve oito óculos roubados. Para tentar dar nome a quem zomba do poeta, a prefeitura instalou este ano duas câmeras de vigilância voltadas para a estátua, o que não impediu que mais um par voltasse a ser levado.
— Este ano o Drummond foi atacado uma vez, mesmo com a câmera. Vimos as imagens e identificamos os responsáveis. Eram menores, que estão sofrendo as consequências legais. Mas não dá para ter uma câmera virada para cada monumento da cidade, cada bueiro e cada poste de luz — afirmou o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório, informando que o custo de reposição de cada par de óculos é de R$ 3 mil, pagos antigamente pela prefeitura e, agora, pela empresa de lentes que adotou o monumento em 2009 e instalou as câmeras.
A civilidade também desafina do outro lado cidade. Em Vila Isabel, o túnel que leva o nome do grande poeta do bairro, Noel Rosa, sofreu 14 furtos de cabos de cobre este ano. O material, segundo a prefeitura, é depois vendido para ferros-velhos. O vandalismo já custou R$ 226 mil à Secretaria municipal de Conservação, que também gastará com uma obra para mudar a posição da rede elétrica do túnel. Outro metal cobiçado é o das grelhas das galerias de águas pluviais: 300 delas são furtadas a cada mês, uma média de dez por dia. Por ano, a Rio Águas desembolsa cerca de R$ 720 mil para repor 3.600 das 445 mil grelhas de ferro fundido que existem nas ruas.
Nem mesmo as lixeiras da Comlurb são poupadas. A empresa informou que cerca de duas mil são retiradas anualmente por causa da depredação. A Comlurb consegue recuperar apenas a metade das lixeiras, gerando um prejuízo de R$ 70 mil.
Obras públicas, monumentos e mobiliário urbano de todo tipo são alvos do vandalismo. Segundo a Secretaria de Conservação, as áreas mais afetadas são as zonas Norte e Oeste. A conta da falta de respeito pelo patrimônio é salgada para os cofres públicos: a prefeitura gasta com os consertos cerca de R$ 3 milhões por ano. Os recursos saem da CET-Rio e da Secretaria de Conservação. Cada uma desembolsa cerca de R$ 1,5 milhão para repor o que é destruído.
Em dois dias de ronda por nove bairros do Centro e das zonas Norte e Sul, O GLOBO encontrou diversos exemplos desses crimes: pontos de ônibus com vidros quebrados, placas pichadas, lixeiras queimadas, postes sem placa, muitos lustres e luminárias quebrados, estátuas com partes roubadas e bueiros sem grelhas.
CET-Rio repõe um km² de placa por ano
Segundo a prefeitura, o Centro de Operações Rio tem ajudado a diminuir os ataques ao patrimônio, mas o número de casos ainda surpreende. Para o secretário Osório, isso vai além do vandalismo: é um crime que precisa ser combatido.
— No Rio, temos dois tipos de crime. O furto, que a pessoa pratica para revender o material, principalmente cabos e metais, em busca do lucro, e a destruição pelo vandalismo. Os dois casos são crimes e têm que ser combatidos pela polícia. Por conta desses casos, em Vila Isabel vamos fazer uma obra para mudar a estrutura de iluminação no túnel e tentar dificultar a ação dos bandidos. Praticar um furto num túnel não é coisa rápida.
Na CET-Rio, as queixas se voltam contra os destruidores de sinalização. Todo ano, mais de um quilômetro quadrado de placa tem que ser reposto em consequência do vandalismo. Os problemas mais comuns são placas pichadas e roubo e depredação de sinais de trânsito. Para Claudia Secin, presidente do órgão, os atos de vandalismo vão na contramão das ações do governo e da população.
— Nós temos manutenção de rotina, já que os equipamentos ficam naturalmente danificados devido à ação do tempo e a eventuais acidentes. Esse tipo de ação nos força a deixar de lado o trabalho normal para recuperar o que foi danificado. Ficamos enxugando gelo, e isso só significa prejuízo para a cidade — disse Claudia. — É uma covardia com a população, porque somos forçados a gastar o dinheiro público que poderia estar sendo investido em áreas mais importantes.
A RioLuz é uma das mais prejudicadas com os furtos: a maior parte de seus materiais tem alto valor comercial. Só em 2011, foram furtados 44 quilômetros de cabos na cidade, o que gerou um custo de R$ 700 mil à prefeitura.
A solução ideal para dar fim aos gastos seria conseguir evitar os crimes, mas a prefeitura tem tentado também pensar em outras soluções, como a produção de peças com materiais mais baratos. A Rio-Águas, por exemplo, está substituindo suas grelhas de ferro por outro modelo, de fibras plásticas, feitas com material reciclável. A RioLuz seguiu caminho parecido e, no mês passado, inaugurou uma fábrica, em Marechal Hermes, para reutilizar o máximo possível do material danificado por vândalos.
Osório lembra que muita gente encara a depredação do patrimônio público como brincadeira. Mas ela é crime previsto no Código Penal: artigo 163, pena de um a seis meses de reclusão e multa.
— As pessoas acham que é brincadeira, mas isso é crime. Com esse dinheiro, eu poderia deixar os parques e praças da cidade mais bonitos. Mas, todo mês, tenho que tirar recursos para repor o que já estava bom. Conversei com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, para pedir que a polícia passe a dar prioridade a esse tipo de crime — diz Osório.
Em nota, a Secretaria de Segurança informou que a PM policia todas as áreas em rondas ostensivas e procura flagrar ações de vandalismo, “tanto que algumas prisões vêm sendo feitas”. A Polícia Militar pede à população que registre ocorrência quando flagrar uma situação de vandalismo.
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