.Sou do tempo em que o jogo do bicho era considerado, aparentemente — ou inocentemente —, sem muito exagero, como uma instituição inofensiva e, de certo modo, até necessária. Uma espécie de território dos sonhos dos pobres e remediados, sua solitária possibilidade de melhorar de vida ou pelo menos ganhar uns trocados que dessem alegria passageira à mulher e à criançada.
Pode até ser que naquele tempo o jogo fosse isso mesmo, ou algo parecido. A história da contravenção ainda não foi escrita: falta alguém para nos contar quando e de que maneira o bicho simpático se transformou em dragão. É bem possível que a gente acabe descobrindo que ele nunca foi mansinho.
Para que isso aconteça, é preciso que vá adiante um projeto defendido pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. No papel, é simples: basta obter do Congresso a redefinição do bicho: feio crime, em vez de amena contravenção. E, enquanto o projeto avança em Brasília — com a agilidade que a pressão da opinião pública produzir em deputados e senadores —, Beltrame promete atacar em outra frente: uma força-tarefa para investigar a lavagem de dinheiro pelos bicheiros.
Que a lavanderia existe, ninguém tem dúvida, E funciona muito bem, como mostra a riqueza ostensiva (talvez seja mais apropriado defini-la como desavergonhada) dos chefões dessa modalidade de crime organizadíssimo.
A prosperidade dessa máfia tropical é responsável pelos mais graves casos de corrupção de policiais — tanto federais como estaduais. Mas os números oficiais são modestos. Por exemplo, nos últimos dois anos a PM abriu processo contra 82 policiais e acabou expulsando 50 deles. Na Polícia Civil, foram punidos nove no ano passado; este ano, por enquanto, apenas três. Talvez seja mais realista falar em números modestíssimos.
Aqui fora, a maioria da opinião pública com certeza não tem a menor simpatia pelos bandidões organizadíssimos. Mas também não parece desconfiar que apostar na dezena do cachorro é uma forma de ajudá-los a sustentar a imagem de quase inofensivos "banqueiros" do jogo do bicho e de generosos padrinhos de escolas de samba. Parece incrível que até hoje ninguém tenha descoberto uma maneira de expulsar os bandidões da passarela. Boa sorte, Beltrame. (foto)
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